miércoles, 27 de septiembre de 2023

Palabras como diamantes

"Porque en nuestro Estado", dice Sócrates," el hombre no se desdobla ni se multiplica, ya que cada uno hace una sola cosa".


Antonio Lobo Antunes persiste con Exhortación a los cocodrilos con su  ciclo sobre la violencia y el miedo, iniciado con Manual de inquisidores y continuado con Esplendor de Portugal. Aquí los protagonistas pertenecen a un grupo terrorista y son llamados «cocodrilos». Entre ellos se encuentran cuatro mujeres desde cuya perspectiva está narrada la historia. Antunes ha reducido el coro polifónico a cuatro voces: cuatro mujeres que rememoran sus experiencias con los jefes terroristas, vinculados al general Spínola, que conocieron en Lisboa después de la Revolución de los claveles, en abril de 1974. Con las voces de estas narradoras, se va construyendo la historia de estos «cocodrilos», que, en opinión de su autor, constituye su mejor novela. Una historia inolvidable sobre el odio, el adulterio, el incesto, la enfermedad, la violencia y la muerte. Las voces de cuatro mujeres reconstruyen la narración en la que intervienen las cuatro acompañantes y que se centra en las acciones de una red de bombas de extrema derecha que opera en Portugal tras la Revolución del 25 de abril. Como personajes menos relevantes para la acción principal  es sin embargo la voz de estas mujeres la que reconstruye los acontecimientos y marca sus diferencias de estatus. La complejidad de las relaciones entre ellas define la forma en que cada una se siente respecto a las demás y se siente considerada o menospreciada por ellas. Poco a poco, las relaciones entre estas mujeres, limitadas a vivir a la sombra de los hombres, irán cambiando para poner fin tanto a su situación personal como a la continuación de las acciones de la red de bombas. 

El capítulo tres de “Exhortación a los cocodrilos”, de António Lobo Antunes es inigualable, todo un paradigma de exquisitez literaria para beber despacio como una buena taza de café Sical. 

"Voar Celina voar: agarravam-me pela cintura, jogavam-me ao tecto, apanhavam-me antes de cair no chão, ria-me porque tinha medo e adorava aquele medo, ficava desamparada um instante lá em cima, de nariz contra a lâmpada e o abajur de folhos, descia numa gargalhadinha de pânico feliz, encontrava o colo do meu tio — Voar Celina por um instante descobria os embrulhos de Natal no topo dos armários, grandes, gordos, com fitas e papel de estrelinhas — Quero a minha prenda — Qual prenda? mais alta que os crescidos, mais alta que os móveis, o meu tio cheirava a água de colónia e o meu pai a tabaco, quando me obrigavam a voar o cheiro afastava-se, a minha mãe contente, a minha avó contente, o meu pai muito sério no canto do sofá, de olhos no jornal, chamava-o — Pai acenava-lhe adeus e o meu pai cobria a cara de notícias enterrado nas páginas, faltava-lhe cabelo, parecia triste, esquecia-me dos embrulhos de Natal — Pai o meu tio piscava o olho à minha mãe e a expressão da minha avó mudava, se quisesse desenroscava a lâmpada e ninguém via à noite ou consertava a vareta do abajur de folhos que o pintor entortou, mas assim que pensei nisso disposta a inventar o escuro (posso fazer escuro, posso fazer dia) — Não toques no candeeiro puseram-me no chão, os objectos rodopiavam, demorei a habituar-me a andar no soalho, primeiro oblíquo e só depois direito, o tapete era de novo o tapete, a casa tornara a ser a casa, não me apetecia rir, não me apetecia que ninguém me falasse, sentei-me debaixo da mesa do almoço com a toalha e as pernas deles à volta — Anda comer Celina a mão do meu tio poisou no joelho da minha mãe e o joelho da minha mãe estremeceu, a mão dela deve ter largado o garfo porque veio pegar na mão do meu tio, colocá-la no joelho dele e aplicar-lhe palmadinhas numa espécie de aviso ou de zanga antes de sumir-se em busca do talher, a minha avó dobrou-se para trás e os dedos de unhas compridas massajaram a canela, as pernas do meu pai permaneciam direitas, uma das meias, sem elástico, mostrava um pedaço de pele, o sapato do meu tio, mais bem engraxado que os meus e os do meu pai — Anda comer Celina calcou o bico do sapato da minha mãe, o salto do outro sapato da minha mãe, a que faltava a ponta de borracha, principiou a roçar para trás e para a frente o tornozelo do meu tio, a mão dele tornou a poisar no joelho da minha mãe, alargou-se um bocadito pela coxa acima e desta feita a mão da minha mãe não a tirou de lá, o salto continuava a esfregar o tornozelo, deve tê-lo picado com o prego dado que o rabo do meu tio deu um pulinho, a voz da minha avó, preocupada, vinda da metade invisível da cintura para cima — Encontraste alguma espinha Joaquim? a mão da minha mãe, a da aliança e do anel com um brilhante falso que escondia a aliança (experimentei-o quando estava no banho e o deixava no quarto e até do polegar me escorregava) afagou a calça do meu tio a consolá-lo, a mão do meu tio apertou-se na dela, as falanges de ambos dobraram-se falange sim falange não, a grossa a fina, a grossa a fina, a grossa a fina excepto os polegares no que se assemelhava a uma luta, o grosso a enroscar-se no fino e o fino a escapar, o guardanapo do meu pai escorregou e tombou, as mãos evaporaram-se de imediato, os sapatos alinharam-se, dois a dois, conforme me ensinaram a fazer na hora de deitar só que agora com pessoas dentro, o tornozelo do meu tio tinha um risco vermelho, a voz dele enquanto o jarro da água tilintava no copo — Uma espinha das grandes engoli-a a minha mãe num tom estranho que me deu comichão na barriga — Que horror não bem um tom estranho, uma entoação que me tornava zonza sem entender o motivo, dava vontade de pedir — Repita e estender-me na alcatifa a fim de sentir o áspero da lã ou o que era nos rins, dançar para a direita e para a esquerda e a alcatifa a magoar-me mas não era dor, ao desejar estender-me a mão do meu pai, mais morena, com mais pêlos, tacteou o guardanapo perdido, a abrir-se e a fechar-se às cegas, não o encontrou, tacteou mais adiante, foi-se dilatando em círculos, embateu no calcanhar da minha mãe e o calcanhar escapou-se enervado — Que disparate larga-me o que é isto? despertando-me da zonzice e do desejo de me aleijar na alcatifa, para conseguir qualquer coisa que o aleijar dava e eu sabia existir sem saber o que era, uma raiva doce, um ímpeto, um desmaio — Voar Celina voar o nariz contra a lâmpada e o abajur de folhos, o cheiro da água de colónia afastava-se e vinha, adorava aquele medo, a mão do meu pai achou a minha saia e arrepanhou a saia tomando-a pelo guardanapo — Pai um — Pai igual ao — Que horror da minha mãe, dedos escuros, peludos, a meia sem elástico a tapar o sapato, a cara sob a toalha rente à minha cara com os pontos da barba no queixo e nas bochechas, o branco do olho encarnado de esforço, uma veiazinha na testa — Anda comer Celina a almofada na cadeira para chegar ao prato, a minha avó a atar-me com força demais os cordões do babete — Não preciso sou grande a minha mãe agora só da cintura para cima o que fazia com que tivesse duas mães, a da cabeça a levar a sopa à boca com imensos modos e a das pernas sem modos nenhuns, a roçar o salto do prego no tornozelo, a dos modos vigiava-me a colher num gesto sem paciência — Não faças porcarias e cala-te queria que me pegassem ao colo, me oferecessem as prendas do armário, adormecer e acordar logo a seguir da idade deles (não, mais velha) e ralhar-lhes — Sou mais velha que vocês tirem-me o babete imediatamente e dêem-me um triciclo com uma campainha pelo modo como a minha mãe ficava de vez em quando, parada, sem ver, numa atitude de reza, compreendia que o meu tio recomeçara a pisá-la e os polegares lutavam no joelho, o meu pai mergulhado no prato como no jornal, a minha avó furiosa ou inquieta ou as duas coisas juntas — Manuela a brincar com a argola e a soltar a argola, a espiar o meu pai, a designar-me com o lábio comprimindo o cotovelo no cotovelo do meu tio — Joaquim que parara de mastigar e rezava igualmente, à beira de um ataque ou de sair flutuando pela janela escancarada, procuravam-se no corredor, as bocas tocavam-se e afastavam-se rápidas, a minha mãe numa bofetadita, em soluços sumidos — Mas que doido Joaquim no tal tom estranho que dava vontade de suplicar — Repita à medida que a lã da alcatifa me magoava as costas e não era dor, era ficar um instante desamparada lá em cima de nariz contra a lâmpada, com medo e a adorar o medo — Voar Celina voar mais alta que os crescidos, mais alta que a mobília, num susto feliz, eram os objectos a rodopiarem, era desaprender de andar, ao afastar a boca o meu tio tropeçou em mim, encostou-se à parede, perguntou à minha mãe pelo ângulo dos lábios (viam-se-lhe gotinhas de cansaço na testa sem ter corrido nem ter feito força) — E se a miúda conta? indignava-me o babete e a almofada na cadeira por insistirem que eu fosse criança quando era mais adulta que eles, devia ter a prateleira das bonecas cheia de frascos de perfume, quer dizer não as perdia Catarina Mariana Luísa ficava com as bonecas e os frascos também, tal como, por exemplo, podia andar de triciclo com saltos altos, qualquer pessoa pode, o meu tio, com a mania que sou uma criança, a procurar o lenço no bolso e a enxugar as gotinhas — E se a miúda conta? a minha mãe no timbre agudo com que se dirigia ao meu pai e às vendedoras da praça, de nariz levantado numa expressão de desgosto — Tens medo? só lhe faltava o porta-moedas e o cesto das compras, só lhe faltava não estar pintada e usar saltos rasos, à noite trancava-se no quarto de banho e saía com rolos e creme nas bochechas, nunca me deixou experimentar — Larga a bisnaga Celina e por isso tenho rugas que a esteticista jura serem vincos de expressão — São vincos de expressão dona Celina vincos de expressão o tanas, fico de cara quieta e lá estão elas, sorrio e permanecem intactas para além das que surgem com o sorriso (centenas)arrepanho-me para tirar dúvidas e idem, levanto as sobrancelhas e dou com a esteticista no espelho — Vincos de expressão o tanas Elisabete trinta anos se tanto, menos dez do que eu, nenhuma celulite, nenhumas varizes, as nádegas firmes, o pescoço impecável, vencendo-me com muito menos dinheiro, um marido bêbedo, uma vida de cadela, que ridículo chorar — Venho aqui todas as manhãs para quê? as restantes freguesas em silêncio, velhas do meu género, ou seja não suficientemente velhas para não se acharem velhas, tão zangadas com o tempo quanto eu, não tão decadentes que cessassem de ter dó de si próprias, uma atmosfera de vapor, uma tranquilidade morna, a calista a alinhar pinças na toalha, massagens, ligaduras, ginástica, uma mentira de promessas de juventude que não se cumprem nunca, ainda agora eu debaixo da mesa, ainda agora o meu tio — Voar Celina voar a minha mãe (— E se a miúda conta?) corredor adiante, sacudida de nojo — Cobarde o desprezo dos saltos no soalho, numa pressa militar, o da ponta de borracha mais leve, o do prego mais duro, a passadeira prendia-se no prego que lavrava o tecido e formava barrigas, a minha mãe nem notava, a minha avó aterrada — Já viste Manuela? a abrir o estojo dos óculos (queria tanto óculos, queria tanto um soutien, colocava os óculos e a minha família respeitava-me, bocejava sem pôr a palma à frente, lia os jornais, não aturava a escola) a minha avó de óculos a examinar os estragos, tentava disfarçar os buracos do prego com as ferramentas da costura, virava a passadeira do avesso para coser por baixo — Sim senhor Manuela lindo serviço olhava a minha mãe, olhava o meu tio, abanava a cabeça, o meu tio sentava-se no sofá ao lado do meu pai, receoso e prestável, o cheiro da água de colónia e o cheiro do tabaco confundidos, mais o cheiro do medo e o traço na pele, a meia sem elástico mostrava um osso saído, o meu tio num entusiasmo difícil — Queres vir pescar no domingo Fernando? os dois na muralha e eu aborrecidíssima num banquinho de lona, despi e vesti a Mariana mil vezes, acabei por lhe desarticular um braço e esquecer-me dela, não podia debruçar-me — Não te debruces que cais ao Tejo Celina não podia fazer barulho que assustava os peixes, não podia tirar o chapéu de palha que adoecia do sol, não podia andar ao pé coxinho, só a tocar as pedras pretas, que irritava o meu pai, contei os paquetes e como não estavam alinhados perdi-me, recomecei a contar e aos dezassete fartei-me, o sol semeava punhados de lantejoulas no rio, as gaivotas caminhavam de esguelha na praia fitando-me como a minha avó fitava a minha mãe, o esgoto avançava pelo Tejo entre palhas e tábuas, um homem apanhava pedaços de garrafa e entornava-os num saco, as ondas traziam uma bóina, o cadáver de um galo e um cesto de verga, tudo sem interesse algum, monótono, compridíssimo, havia prédios desabitados para trás de nós, de janelas cobertas com tábuas, quintais de arbustos secos e aposto que fantasmas, antes que os fantasmas me fizessem mal agachei-me para a lata do isco, um verme atingira o rebordo e escorregava para fora — Minhoca minhoca chamava-me o sócio do meu marido — Anda cá minhoca a Mimi é surda não ouve o meu pai numa sapatada — Quieta uma traineira latejava o seu rastro de gasóleo, excitando as gaivotas que cessaram de fitar-me — Tantas rugas Celina tantas rugas e se ergueram da praia, aos gritos, bicando a tira negra misturada com a espuma, de tempos a tempos a cana de pesca arqueava-se, giravam o carreto e não traziam robalos, traziam um peso de chumbo, limos, o anzol vazio, a água formava parênteses e vírgulas que se alargavam em torno da linha como das minhas pálpebras — Não se preocupe dona Celina são vincos de expressão e o espelho para mim, não distraído, atento, a percorrer-me as feições — Vais morrer eu transida a escutá-lo, porquê eu, enquanto tirava os anéis diante do toucador, na véspera de quebrarem o vidro do automóvel do meu marido, o obrigarem a parar, os antigos polícias apontarem as metralhadoras, o corpo às sacudidelas no assento deslizando para o chão, comecei a chorar ao espelho e o meu marido sem desconfiar de nada, ocupado a deslaçar a gravata e a guardar os botões de punho na taça — Não te sentes bem incomoda-te alguma coisa Celina? — Tem de ser amanhã minhoca não me digas que não preferes assim não me digas que te agradava que nos denunciasse a todos Mimi tenho a certeza, por mais surda que fosse, que sabia de nós e se calava como a minha avó se calava — A avó dela é melhor que a tua inventou a Coca Cola lá na Galiza Celina a surda que se erguia a dormir para espreitar o anúncio luminoso do largo, utilizava um telefone sem campainha com uma luzita que acendia e apagava, o sócio do meu marido encostou-mo à orelha, ecos de palavras deformadas, como a garganta de Deus anunciando o Dilúvio, a afilhada do bispo, incrédula, a avaliar o aparelho tocando-lhe à cautela no pavor de choques — Credo o meu marido sem desconfiar de nada, ocupado a deslaçar a gravata e a guardar os botões de punho na taça — Não te sentes bem incomoda-te alguma coisa Celina? um viúvo da idade do meu pai, igualmente sério, igualmente calado, igualmente a enterrar-se no jornal mas de sardas e pêlos ruivos no dorso das mãos, conhecemo-nos quando acabou o segundo hotel e eu trabalhava de escriturária na companhia de seguros, era raro o dia em que não vinham jacintos não rosas, não camélias, jacintos, o sócio dele — Acho que o velhote se apaixonou por si menina Celina sorria-me, convidava-me para o cinema às escondidas, para almoçar às escondidas, espalmava a mão no meu joelho como o meu tio com a minha mãe — Somos sócios em tudo minhoca só que deste negócio ele não tem de saber se jantávamos os quatro carregava-me com a metade de baixo no bico do sapato ao mesmo tempo que a metade de cima se explicava à surda, arredondando os olhos, o indicador da surda fabricava uma bolinha de pão sem deixar de medir-me, sucede-me pensar — Descansa que nunca te fará uma cena os surdos são diferentes sabias? que entendia as coisas como os bichos entendem, atravessava a toalha com a vista e percebia os joelhos, as pernas, sucede-me pensar que nem sequer me detestava, que ao mirar-nos mirava para além de nós como esta manhã ao estudar-me no espelho (que ridículo enfurecer-me com a velhice, com as rugas) surgia sobre as minhas feições a muralha do rio, as lantejoulas, as duas canas de pesca, os prédios desabitados, com quintais de arbustos secos e de certeza cobras, ratos, o espírito dos defuntos nos compartimentos vazios, a Mariana sem um braço e de repente o meu pai para o meu tio — Seu pulha a jogar a lata das minhocas às ondas, a jogar o farnel que se desembrulhou na água, o frango, as batatas, o pão, as gaivotas largaram o gasóleo a batalharem entre guinchos de criança ou mulher — Lembra-te que a Mimi é surda minhoca não te aflijas não pares agora a lutarem com as patas, as asas, os peitos eriçados, um albatroz enxotou-as num rebuliço de penas, colheu um pedaço de couve-flor e foi-se embora escalando o céu na direcção da Malveira, as mãos do meu pai iguaizinhas às gaivotas — Você cuida que eu sou idiota seu pulha? o banquinho de lona atirado às ondas, o meu tio esmagou a Mariana com a sola, a baquelite rebentou, o mecanismo que tremia — Pipi não passava de um folezito de pano sem mistério, provido de uma mola como os relógios de cuco, não era a Mariana quem suspirava, era aquilo, agitava-se o folezinho, separado da boneca, a boneca defunta no chão e o folezinho vivo — Pipi detesto a Mariana, detesto todas as pessoas do mundo, aldrabonas, chegando aos Anjos vou buscar o martelo, parto-as e deito-as no lixo, escusam de fingir, armar cenas, pedir — Pipi argumentar — Não se preocupe dona Celina são vincos de expressão com íris mentirosas de plástico, um rapaz de bicicleta parou a metros do meu pai e encaixou o pedal no passeio — Ó sócio as gaivotas, suspensas, desejavam que o meu tio tombasse da muralha para o esquartejarem também, lutando com as patas, as asas, os peitos eriçados, o meu tio a apertar o lábio com o lenço — Eu queixo-me à polícia Fernando o sol ia-se tornando transparente e roxo, as caves dos prédios abandonados dissolvidas em sombras, as gaivotas desiludiam-se aos poucos, hesitando entre nós e o gasóleo, o rapaz da bicicleta, que não cheirava a tabaco nem a água de colónia, cheirava a lona de barco, enfiou o meu pai e o meu tio no automóvel — Juizinho alçou-me para o banco traseiro, entregou-me o que restava da Mariana, o braço amputado, o folezito de pano, o meu tio ligou o carro, um cachorro magríssimo, menor que os seus latidos, atravessou a estrada numa melancolia de derrota, o meu pai e o meu tio eram um par de nucas quietas detestando-se, as mãos do meu tio segurando o volante e a do meu pai no ar com menos raiva que há bocado — Seu pulha ao mesmo tempo que o folezinho implorava — Pipi sem eu lhe ter mexido, desci a janela e lancei-o no escuro como lancei o braço — Aldrabona e a seguir devo ter adormecido com os balanços porque não recordo mais nada, de chegarmos a Lisboa, me despirem, me enfiarem na cama, recordo-me de sonhar que chegávamos a Lisboa, me despiam, me enfiavam na cama, de o meu pai perseguir o meu tio até a porta do quarto se fechar, de a minha avó — Meninos da minha mãe a encolher os ombros na copa recordo-me de sonhar toda a noite que o meu marido sabia que ia morrer e culpava-me — Por que motivo não me disseste nada Celina? de mim tirando os anéis enquanto se aproximavam dele e lhe quebravam o vidro, enquanto — Seu pulha enquanto as espingardas, enquanto o corpo a escorregar, enquanto eu a limpar a maquilhagem e nenhum sangue no algodão, nenhuma lágrima devo ter adormecido visto ser domingo e nove horas no despertador de folha, os meus pais não estavam em casa, a minha avó saíra para a igreja, o meu tio em pijama, sem cheirar a água de colónia, tomava o pequeno-almoço na cozinha com a mala de viagem ao lado, não falou comigo, não me puxou as tranças, não me sorriu — Miúda ficou eternidades a mastigar em silêncio sem me agarrar pela cintura, jogar-me ao tecto apanhando-me antes que tombasse no chão — Voar Celina voar e eu desamparada um instante lá em cima, de nariz contra a lâmpada e o abajur de folhos, a assegurar-me que as prendas de Natal continuavam no topo do armário à espera que fosse dezembro e o Menino Jesus de barro, sempre escrupuloso com as datas, resolvesse abandonar o presépio e espalhar-mas na cama.


Vuela Celina vuela: me agarraron por la cintura, me lanzaron al techo, me cogieron antes de que cayera al suelo, me reí porque tenía miedo y me encantaba ese miedo, estuve indefensa un momento allí arriba, mi nariz contra la lámpara y la pantalla de volantes, bajé en una risita de pánico feliz, encontré el regazo de mi tío - Vuela Celina por un momento descubrí los paquetes de Navidad encima de los armarios, grandes, gordos, con lazos y papel estrellado - Quiero mi regalo - ¿Qué regalo? más alto que los mayores, más alto que los muebles, mi tío olía a colonia y mi padre a tabaco, cuando me hicieron volar el olor se desvaneció, mi madre contenta, mi abuela feliz, mi padre muy serio en la esquina del sofá, los ojos en el periódico, llamándole - Papá se despedía con la mano y mi padre se tapaba la cara con las noticias enterradas en las páginas, papá, mi tío guiñaba el ojo a mi madre y la expresión de mi abuela cambiaba, si yo quisiera, podría desenroscar la bombilla y nadie vería por la noche, o podría arreglar el palo de la pantalla de la lámpara con volantes que el pintor había doblado, Pero en cuanto lo pensé, me dispuse a inventar la oscuridad (puedo hacer que sea de noche, puedo hacer que sea de día) - Sin tocar la lámpara me puse en el suelo, los objetos se arremolinaban, tardé un rato en acostumbrarme a caminar por el suelo, primero oblicuo y sólo después recto, la alfombra volvía a ser la alfombra, la casa había vuelto a ser la casa, no tenía ganas de reír, no tenía ganas de que nadie me hablara, me senté bajo la mesa del almuerzo con el mantel y sus piernas a mi alrededor - Ven a comer Celina, la mano de mi tío se apoyó en la rodilla de mi madre y la rodilla de mi madre tembló, su mano debió de soltar el tenedor porque vino a coger la mano de mi tío, la colocó sobre su rodilla y la palmeó en una especie de advertencia o enfado antes de desaparecer en busca de los cubiertos, mi abuela se inclinó hacia atrás y sus dedos de largas uñas se masajeaban la espinilla, las piernas de mi padre permanecían rectas, uno de sus calcetines, sin elástico, mostraba un trozo de piel, el zapato de mi tío, mejor pulido que el mío y el de mi padre - Ven a comer Celina pisó la punta del zapato de mi madre, el tacón del otro zapato de mi madre, al que le faltaba la punta de goma, empezó a rozar de un lado a otro el tobillo de mi tío, su mano volvió a posarse en la rodilla de mi madre, se extendió un poco por su muslo y esta vez la mano de mi madre no la apartó, el tacón siguió rozando su tobillo, debió pincharlo con la uña porque el trasero de mi tío saltó un poco, la voz de mi abuela, preocupada, venía de la mitad invisible de su cintura para arriba - ¿Encontraste alguna espina Joaquim? la mano de mi madre, la que tenía la alianza y el anillo con la brillantina falsa que ocultaba el anillo (me lo probé cuando estaba en el baño y me lo dejé en el dormitorio y hasta se me resbaló del pulgar) acarició el pantalón de mi tío, consolándolo, la mano de mi tío apretó la suya, las falanges de ambos dobladas falange sí falange no, gruesas a finas, gruesas a finas, grueso a fino excepto sus pulgares en lo que parecía una lucha, lo grueso enredándose con lo fino y lo fino escapando, la servilleta de mi padre resbaló y cayó, sus manos se evaporaron inmediatamente, sus zapatos alineados, de dos en dos, como me enseñaron a hacer a la hora de dormir, sólo que ahora con gente dentro, el tobillo de mi tío tenía un arañazo rojo, su voz mientras la jarra de agua tintineaba en el vaso - Un gran grano - mi madre se lo tragó en un tono extraño que hizo que me picara la barriga - Qué horror - no del todo un tono extraño, una entonación que me mareaba sin entender por qué, me daban ganas de preguntar - Repítelo y estírate en la alfombra para sentir la aspereza de la lana o lo que era en mis riñones, bailando a derecha e izquierda y la alfombra haciéndome daño, pero no era dolor, cuando quise estirar la mano de mi padre, más oscura, con más pelo, tocó la servilleta perdida, abriendo y cerrando a ciegas, no la encontró, tocó más allá, se expandió en círculos, golpeó el talón de mi madre y el talón se deslizó desconcertado - Qué tontería, suéltame, ¿qué es esto?despertándome de la somnolencia y del deseo de hacerme daño en la alfombra, de conseguir algo que doliéndome daba y sabía que existía sin saber lo que era, una dulce rabia, un ímpetu, un desmayo - Celina volando la nariz contra la lámpara y la pantalla de volantes, el olor a colonia se alejaba y venía, me encantó ese miedo, la mano de mi padre encontró mi falda y la cogió por la servilleta - Padre uno - Padre igual que - Qué horror de mi madre, dedos oscuros y peludos, el calcetín sin elástico cubriendo su zapato, su cara bajo la toalla cerca de mi cara con las puntas de su barba en la barbilla y las mejillas, el blanco de los ojos enrojecido por el esfuerzo, una pequeña vena en la frente - Ven a comer Celina, el cojín en la silla para alcanzar el plato, mi abuela atándome demasiado fuerte los cordones del babero - No lo necesito, soy grande, mi mamá ahora sólo de cintura para arriba, lo que significaba que tenía dos mamás, la de la cabeza llevándome la sopa a la boca con muchos modales y la de las piernas sin modales, frotándome el talón de la uña contra el tobillo, la de los modales mirándome la cuchara en un gesto sin paciencia - No ensucies y cállate - Yo quería que me cogieran en brazos, que me ofrecieran regalos de la alacena, quedarme dormida y despertarme justo después de tener su edad (no. mayor) y que me regañaran, soy mayor que tú, quítame el babero inmediatamente y regálame un triciclo con timbre. La forma en que mi madre se quedaba de vez en cuando, quieta, sin ver, en actitud de oración, me daba cuenta de que mi tío había vuelto a pisarla y sus pulgares luchaban sobre su rodilla, mi padre estaba inmerso en el plato como el periódico, mi abuela furiosa o inquieta o ambas cosas - Manuela jugando con el anillo y soltándolo, espiando a mi padre, señalándome con el labio, presionando con el codo el codo de mi tío - Joaquim que había dejado de masticar y rezaba también, al borde de un ataque o flotando por la ventana abierta de par en par, buscándose en el pasillo, Sus bocas se tocaron y se alejaron rápidamente, mi madre dándome una bofetada, sollozando desconsoladamente - Qué loco, Joaquim, en ese tono extraño que me daba ganas de suplicar - Repítelo mientras la lana de la alfombra me lastimaba la espalda y no era dolor, era estar indefensa arriba por un momento con la nariz contra la lámpara, Celina volaba más alto que los mayores, más alto que los muebles, en un susto feliz, los objetos se arremolinaban, era desaprender a andar, al apartar la boca mi tío tropezó conmigo, se apoyó en la pared, preguntó a mi madre por el ángulo de sus labios (se le veían gotas de cansancio en la frente sin haber corrido ni empujado) - ¿Y si la niña cuenta? me indignaba el babero y el cojín de la silla por insistir en que yo era una niña cuando era más mayor que ellos, debería haber tenido una estantería de muñecas llena de frascos de perfume, quiero decir que no los perdería Catherine Mariana Luisa guardaría las muñecas y los frascos también, igual que, por ejemplo, yo podía montar en triciclo con tacones altos, cualquiera puede, mi tío, con su manía de que soy una niña, buscando el pañuelo en el bolsillo y limpiándose las gotitas - ¿Y si la niña cuenta? mi madre, en el tono agudo con el que se dirigía a mi padre y a las vendedoras de la plaza, con la nariz levantada en expresión de disgusto - ¿Tienes miedo? lo único que le faltaba era un bolso y una cesta de la compra, lo único que necesitaba era estar despintada y llevar tacones planos, por la noche se encerraba en el baño y salía con rulos y crema en las mejillas, nunca me dejó probarlo - Baje el tubo Celina y por eso tengo arrugas que la esteticista jura que son pliegues de expresión - Son pliegues de expresión señora Celina, pliegues de expresión mi culo, mantengo la cara quieta y ahí están, sonrío y permanecen intactas, aparte de las que aparecen con la sonrisa (cientos) intento hacer preguntas e ídem, enarco las cejas y veo a la esteticista en el espejo - Son pliegues de expresión mi culo Elisabete treinta años, diez años más joven que yo, sin celulitis, sin varices, nalgas firmes, cuello impecable, pegándome con mucho menos dinero, un marido borracho, una vida de puta, qué ridículo llorar - ¿Para qué vengo aquí cada mañana? el resto de los compradores en silencio, viejas de mi tipo, es decir, no tan viejas como para no considerarse viejas, tan enfadadas con el tiempo como yo, no tan decadentes como para dejar de compadecerse de sí mismas, una atmósfera de vapor, una cálida tranquilidad, el podólogo alineando pinzas sobre el mantel, masajes, vendajes, gimnasia, una mentira de promesas juveniles que nunca se cumplen, incluso ahora yo bajo la mesa, incluso ahora mi tío - Vuela Celina vuela mi madre (- ¿Y si la chica lo cuenta?) por el pasillo, estremecida de asco - Cobarde el desprecio de los tacones en el suelo, en una carrera militar, el de la punta de goma más ligera, el de la uña más dura, la rueda de molino enganchada en la uña que surcaba la tela y formaba barrigas, mi madre ni se dio cuenta, mi abuela aterrorizada - ¿Has visto a Manuela?abriendo el estuche de mis gafas (tenía tantas ganas de gafas, tenía tantas ganas de sujetador, me ponía las gafas y mi familia me respetaba, bostezaba sin poner la palma de la mano delante, leía los periódicos, no aguantaba el colegio) mi abuela con gafas examinando los desperfectos, intentando disimular los agujeros de los clavos con sus herramientas de costura, dando la vuelta al corredor para coser por debajo - Sí, señor Manuela, bonito servicio, mi madre miraba, miré a mi tío, sacudí la cabeza, mi tío sentado en el sofá junto a mi padre, temeroso y servicial, el olor a colonia y el olor a tabaco confundidos, más el olor a miedo y el rastro en su piel, el calcetín sin elástico mostraba un hueso asomando, mi tío en un entusiasmo difícil - ¿Quieres venir a pescar el domingo Fernando? los dos en la pared y yo aburrido como una ostra en un taburete de lona, desvestí y vestí a Mariana mil veces, acabé rompiéndole el brazo y olvidándome de ella, no podía inclinarme - No te inclines que te caes al Tajo Celina no podía hacer ruido, asustaría a los peces, no podía quitarme el sombrero de paja que me ponía enferma por el sol, no podía caminar cojeando, sólo tocando las piedras negras, lo que molestaba a mi padre, contaba los barcos y como no estaban alineados me perdí, empecé a contar de nuevo y a los diecisiete años me harté, el sol sembraba puñados de lentejuelas en el río, las gaviotas me miraban en la playa, me miraban como mi abuela miraba a mi madre, las aguas residuales bajaban por el Tajo entre pajas y tablones, un hombre recogía trozos de botella y los vertía en un saco, las olas arrastraban una boquilla, el cadáver de un gallo y una cesta de mimbre, todo era poco interesante, monótono, muy largo, había edificios deshabitados detrás de nosotros, con ventanas tapiadas, patios de arbustos secos y apuesto a que fantasmas, antes de que los fantasmas pudieran hacerme daño me agaché junto a la lata de cebo, Un gusano había golpeado el borde y se escurría - Gusano gusano el compañero de mi marido me llamó - Ven aquí gusano Mimi es sorda, no puede oír a mi padre en un zapato - Silenciosamente un arrastrero palpitaba en su estela diesel, Tantas arrugas Celina tantas arrugas y se levantaron de la playa, gritando, picoteando la franja negra mezclada con la espuma, de vez en cuando la caña de pescar se doblaba, giraban el carrete y no traían lubinas, traían un peso de plomo, limo, el anzuelo vacío, el agua formaba corchetes y comas que se ensanchaban alrededor de la línea como mis párpados - No se preocupe, señora Celina, son pliegues de expresión y el espejo para mí, no distraído, atento, escudriñando mis rasgos - Vas a morir, voy a morir escuchándote, por qué a mí, mientras me quitaba los anillos delante del tocador, la víspera rompieron la ventanilla del coche de mi marido, le obligaron a parar, los viejos policías me apuntaban con sus metralletas, mi cuerpo se sacudió en el asiento y se deslizó hasta el suelo, me puse a llorar en el espejo y mi marido, sin sospechar nada, se afanaba en desanudarse la corbata y guardar los gemelos en su copa - ¿No te encuentras bien, te molesta algo, Celina? - Tiene que ser mañana gusano no me digas que no lo prefieres así no me digas que te gustaría que nos denunciara a todos Mimi seguro que, aunque sorda, sabía lo nuestro y se callaba como hacía mi abuela - Su abuela es mejor que la tuya inventó la Coca Cola allá en Galicia Celina la sorda que se levantaba dormida para mirar el anuncio luminoso de la plaza, usaba un teléfono sin timbre con una lucecita que se encendía y apagaba, el compañero de mi marido me lo acercó al oído, ecos de palabras deformadas, como la garganta de Dios anunciando el Diluvio, la ahijada del obispo, incrédula, evaluando el aparato, tocándolo con precaución por miedo a las descargas - Credo mi marido, sin sospechar nada, ocupado en desabrocharse la corbata y guardar los gemelos en el cuenco - ¿No te encuentras bien, te molesta algo, Celina? un viudo más o menos de la edad de mi padre, igual de serio, igual de callado, igual de enterrado en el periódico pero con pecas y pelirrojo en el dorso de las manos, nos conocimos cuando el segundo hotel estaba terminado y yo trabajaba de administrativa en la compañía de seguros, era raro el día que no venían jacintos, ni rosas, ni camelias, jacintos, su pareja - Creo que el viejo se ha enamorado de ti la señorita Celina me sonrió, me invitó al cine a escondidas, a comer a escondidas, Somos socios en todo, gusano, sólo que él no tiene por qué enterarse de este asunto si cenamos los cuatro. Ella se metía en la boca la mitad de abajo de mi zapato al mismo tiempo que le explicaba la de arriba a la sorda, redondeando los ojos, el índice de la sorda hacía una bolita de pan sin dejar de medirme, yo pensaba - Ten por seguro que nunca te hará una escena, los sordos son diferentes, ¿lo sabías?

que entendía las cosas como lo hacen los animales, que podía ver a través de la toalla y percibir mis rodillas, mis piernas, que ni siquiera me odiaba, que cuando nos miraba miraba más allá de nosotros, como hizo esta mañana cuando me estudió en el espejo (qué ridículo enfadarse con la vejez, con las arrugas) el muro del río, las lentejuelas, las dos cañas de pescar, los edificios deshabitados, con patios de arbustos secos y serpientes, ratas, los espíritus de los muertos en los compartimentos vacíos, aparecían en mis rasgos, Mariana sin un brazo y de repente mi padre a mi tio - Bastardo tirando la lata de gusanos a las olas, tirando al agua el almuerzo empaquetado que se habia deshecho, el pollo, las patatas, el pan, las gaviotas soltaron el gasoil luchando entre los chillidos de un niño o una mujer - Recuerda que Mimi es sorda gusano no te preocupes no pares ahora luchando con tus piernas, un albatros los espantó en una ráfaga de plumas, cogió un trozo de coliflor y se fue, subiendo por el cielo en dirección a Malveira, las manos de mi padre igual que las gaviotas - ¿Crees que soy idiota, cabrón? el taburete de lona se lanzó a las olas, mi tío aplastó a Mariana con la suela, la baquelita reventó, el mecanismo tembló - Pipi era sólo un pequeño fuelle de tela sin misterio, provisto de un muelle como los relojes de cuco, no fue Mariana quien suspiró, era esa cosa, el pequeño fuelle temblaba, separado de la muñeca, la muñeca muerta en el suelo y el pequeño fuelle vivo - Pipi odio a Mariana, odio a toda la gente del mundo, tramposos, cuando llegue a Anjos voy a coger el martillo, los romperé y los tiraré al cubo de la basura, no tienes que fingir, no tienes que hacer una escena, No se preocupe, señora Celina, son pliegues de expresión con iris de plástico tumbado, un niño en bicicleta se detuvo a metros de mi padre y pisó el pedal del bordillo - Oh, compañero, las gaviotas, suspendidas, deseaban que mi tío se cayera del muro para descuartizarlo también, luchando con sus piernas, sus alas, sus pechos agitados, mi tío apretándose el labio con el pañuelo - Me quejo a la policía Fernando el sol se volvía transparente y púrpura, los sótanos de los edificios abandonados se disolvían en sombras, las gaviotas se desilusionaban poco a poco, dudando entre nosotros y el diesel, el chico de la bicicleta, que no olía a tabaco ni a colonia, olía a lona de barco, empujó a mi padre y a mi tío al coche -Juizinho me subió al asiento trasero, me entregó lo que quedaba de Mariana, su brazo amputado, la pequeña bolsa de tela, mi tío arrancó el coche, un perro flaco, más pequeño que sus ladridos, cruzaba la carretera en un melancólico estado de derrota, mi padre y mi tío eran un par de cuellos callados que se odiaban, las manos de mi tío sosteniendo el volante y las de mi padre en el aire con menos rabia que antes -Tú te arrastrabas al mismo tiempo que el cachorro suplicaba- Pipi sin que yo lo hubiera tocado, salí por la ventanilla y lo tiré a la oscuridad como si hubiera tirado mi brazo - Tramposo y luego debí quedarme dormido con los columpios porque no recuerdo nada más, llegar a Lisboa, que me desnudaran, que me metieran en la cama, recuerdo haber soñado que llegábamos a Lisboa, que me desnudaban y que me metían en la cama, de mi padre persiguiendo a mi tío hasta que la puerta del dormitorio se cerró de golpe, de mi abuela - Los hijos de mi madre encogiéndose de hombros en el fregadero - Recuerdo haber soñado toda la noche que mi marido sabía que iba a morir y me culpaba a mí - ¿Por qué no me dijiste nada Celina? ¿Por qué no me dijiste nada Celina? Recuerdo que mis padres no estaban en casa, mi abuela se había ido a la iglesia, mi tío en pijama, sin olor a colonia, desayunando en la cocina con su maleta al lado, sin hablarme, no me tiraba de las coletas, no me sonreía - Miúda se pasaba horas masticando en silencio sin agarrarme por la cintura, lanzarme al techo y cogerme antes de que cayera al suelo - Celina volando y yo indefensa por un momento allí arriba, con la nariz contra la lámpara y la pantalla de volantes, asegurándome de que los regalos de Navidad seguían en lo alto del armario, esperando a que llegara diciembre y a que el Niño Jesús de barro, siempre escrupuloso con las fechas, decidiera salir de la cuna y los extendiera sobre la cama.


–Durante mucho tiempo –comenta Lobo Antunes– he intentado encontrar un estado próximo a la sensación de la locura, y después de cuatro horas trabajo, en ese extraño estado entre la fatiga y la ensoñación, es cuando me resulta más fácil encontrar soluciones literarias. 

Mientras leo a Lobo Antunes tengo la sensación de estar bailando con él un paso a dos .

Let's be careful out there 

viernes, 22 de septiembre de 2023

A Praia das Maçãs


"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."


Leyendo uno de los artículos del libro de crónicas del maestro Antonio Lobo Antunes, me ha atravesado una sensación de atmósfera irrespirable, de cerco similar al que nos adentramos lentamente sin oponer ninguna oposición.

E então no princípio de agosto íamos para a Praia das Maçãs. Tudo começava como a partida, em sobressalto de fuga, de aristocratas russos a seguir à revolução de dezassete: tiravam-se os reposteiros e as cortinas, enrolavam-se os tapetes, cobriam-se os sofás de lençóis brancos, desprendiam-se os quadros das paredes que mostravam rectângulos mais claros pendurados de grampos, embrulhavam-se os castiçais, os talheres, os bules e as salvas de prata em jornais, a casa aumentava de tamanho e os sons ganhavam a amplitude de explosão de passos em garagem à noite, vinha uma camioneta carregar frigorífico, bagagem e criadas que seguiam logo de manhã, antes de nós, para o exílio das férias, e à tarde os meus pais embarcavam as crias que lutavam no banco de trás por um lugar à janela, entre lágrimas, pontapés e queixinhas, excepto o meu irmão mais novo que de pé no assento com o babete ao pescoço e um Pluto de borracha apertado no peito ia acenando adeuses, de Benfica a Sintra, aos automóveis que nos seguiam.
Depois de Colares os adeuses tornavam-se impossíveis por culpa do nevoeiro: percebiam-se a custo telhados de chalés e cumes vagos de pinheiros numa bruma desfocada, o mar invisível chiava um mecanismo ferrugento de berço, alcançávamos ao anoitecer uma vivenda desconhecida e húmida, cercada de arbustos horrivelmente tristes que as ondas se esqueceram de levar, adormecíamos em cobertores molhados com a ronca do farol a baralhar-nos os sonhos, e no dia seguinte, às nove da madrugada, a nossa mãe, em roupão, vinha ao convés do jardim observar o nevoeiro com um sobrolho de almirante, garantia 
      – Depois da uma levanta 
      e nós, os filhos, de panamá na cabeça, submersos em cascas concêntricas de casacos de malha, parecidos com os automobilistas vestidos de urso do princípio do século, marchávamos a tiritar, em fila indiana, pastoreados pela criada, de nariz roxo de frio, até à praia em que se distinguiam os iglus de um ou dois toldos imprecisos, icebergues à deriva e os meninos-pinguins de uma colónia de férias guinchando como leitões a esbracejarem de susto, que banheiros-esquimós agarravam à força para os mergulharem de golpe, num clima de aurora boreal, entre calhaus de gelo e esqueletos de exploradores polares.
Sentados na areia, arrepiados de gripe, de pás, baldes de plástico e formas de bolo inúteis, reconhecíamo-nos uns aos outros pelo ímpeto da tosse e pela tonalidade dos espirros, e no Instituto de Socorros a Náufragos acumulavam-se, nas mesas de pedra dos afogados, moribundos de pneumonia com tantos casacos de lã e tantos panamás como nós. Às onze, quando das bandas da serra embuçada em películas cinzentas crescia um bocadinho de castelo a nossa mãe descia à praia, descalçava-se junto à estaca de toldo onde se amontoava um cone de sandálias, abria o Paris-Match e perguntava radiante, apontando em triunfo uma nesguita de ameias 
      – Eu não disse que daqui a nada levantava?
   distribuindo a cada um embalagens de aspirina.
       Nunca mais voltei à Praia das Maçãs.

António Lobo Antunes, Livro de Crónicas, 5.ª ed., Lisboa, Dom Quixote, 2002

Luego, a principios de agosto, fuimos a Praia das Maçãs. Todo empezó como la marcha de los aristócratas rusos tras la decimoséptima revolución: se quitaron las cortinas, se enrollaron las alfombras, se cubrieron los sofás con sábanas blancas, se retiraron los cuadros de las paredes, que mostraban rectángulos más claros colgados de grapas, los candelabros, cubiertos, teteras y salseras de plata se envolvieron en periódicos, la casa creció en tamaño y los sonidos ganaron la amplitud de pasos que estallan en un garaje por la noche, vino un camión a cargar el frigorífico, el equipaje y las criadas que partían a primera hora de la mañana, antes que nosotros, hacia su exilio vacacional, y por la tarde mis padres cargaban a los niños que se peleaban en el asiento trasero por un asiento en la ventanilla, entre lágrimas, patadas y quejas, excepto mi hermano pequeño que, de pie en el asiento con el babero alrededor del cuello y un Pluto de goma agarrado al pecho, decía adiós desde Benfica a Sintra a los coches que nos seguían.
Después de Colares, las despedidas se hicieron imposibles a causa de la niebla: apenas podíamos distinguir los tejados de los chalés y las vagas copas de los pinos en una bruma borrosa, el mar invisible hacía sonar un mecanismo de cuna oxidado, llegamos al anochecer a un chalé desconocido y húmedo, rodeado de arbustos horriblemente tristes que las olas se habían olvidado de llevarse, nos dormíamos sobre mantas mojadas con los ronquidos del faro revolviendo nuestros sueños, y al día siguiente, a las nueve de la mañana, nuestra madre, en bata, salía a la cubierta del jardín para observar la niebla con una ceja de almirante, asegurándonos que estaría allí
   - Después de la una se levanta 
  y nosotros, los niños, con panamas en la cabeza, sumergidos en corazas concéntricas de cárdigans, con el aspecto de los automovilistas vestidos de oso de principios de siglo, marchamos en fila india, pastoreados por la criada, con la nariz amoratada por el frío, hasta la playa donde se divisaban los iglús de uno o dos toldos imprecisos, icebergs a la deriva y los niños pingüinos de una colonia de vacaciones que chillaban como lechones asustados, a los que los sanitarios esquimales agarraban a la fuerza para sumergirlos en el agua, en una atmósfera de aurora boreal, entre guijarros de hielo y esqueletos de exploradores polares.
Sentados en la arena, helados por la gripe, palas, cubos de plástico y latas de pasteles inservibles, nos reconocíamos por el ímpetu de nuestras toses y el tono de nuestros estornudos, y en el Instituto de Socorro a los Náufragos, moribundos de neumonía con tantos abrigos de lana y panamas como nosotros se amontonaban en las mesas de piedra para los ahogados. A las once, cuando un pequeño castillo crecía entre las montañas envuelto en una película gris, nuestra madre bajaba a la playa, se descalzaba junto a la estaca del toldo donde se amontonaba un cono de sandalias, abría el Paris-Match y preguntaba radiante, señalando triunfante una franja de almenas 
 - ¿No dije que estaría pronto?
 repartiendo paquetes de aspirinas.
  Nunca volví a Praia das Maçãs

Let's be careful out there 





miércoles, 20 de septiembre de 2023

"Se fosse fácil não era para nós."

Com as aves aprende-se a morrer. Também o frio de janeiro enredado nos ramos não ensina outra coisa, dizias tu, olhando as palmeiras correr para a luz. Que chegava ao fim. E com ela as palavras. Procurei os teus olhos onde o azul inocente se refugiara. Na infância, o coração do linho afastava os animais da sombra. Amanhã já não serei eu a ver-te subir aos choupos brancos. O resplendor das mãos imperecível. Foz do Douro, Eugénio de Andrade

Es uno de los más grandes escritores de la literatura mundial. Lleva 43 años escribiendo libros porque no sabe vivir de otra manera. Su escritura es densa. Desafía al lector. Le obliga a pensar de forma diferente. No le gustan las conversaciones y no le gusta hablar de sus libros.
A sus 80 años, es autor de 32 novelas, así como de cinco libros de crónicas y un volumen de cartas. Debutó en la literatura con Memória de Elefante, una novela que fue rechazada varias veces por los editores hasta que se publicó. Luego vino el éxito, en Portugal  y en el extranjero, y una carrera de escritor que se extendió a periódicos y revistas. Plagado de premios y galardones, el mayor honor y reconocimiento que ha recibido hasta la fecha, confiesa, fue que su obra fuera elegida por la prestigiosa editorial francesa Pléiade, la biblioteca literaria más importante, que sólo publica a los grandes autores del mundo.
 Antonio Lobo Antunes es el segundo portugués, después de Fernando Pessoa, que figura en su catálogo. El filósofo y escritor Bernard-Henry Lévy pidió para el benfiquense el premio Nobel , aunque, como bien ha declarado Lobo, "estar en la Pléiade es como recibir el Nobel".
Antonio, es el mayor de seis hermanos, todos varones. Cuando eran pequeños, si uno enfermaba, todos enfermaban. Y su padre, patólogo, entraba en las habitaciones de los chicos y les leía poesía. O jugaba con ellos a un juego temible. Citaba una frase y ellos tenían que adivinar quién la había escrito. O tocaba los primeros acordes de una sinfonía para que adivinaran el autor. "Y Memoria de Elefante [el primer libro, 1979] estaba lleno de este juego con el lector. Quizá fuera una pequeña venganza contra mi padre".
"Era una relación hecha de silencios. Hay veces que pienso que tuvimos suerte de no haber sido queridos... Porque si fuera al revés, quizá no escribiría. Escribimos para gustar".
Empezó a escribir de forma más o menos consciente cuando tenía siete u ocho años  y cree que el lector" no tiene derecho a recibir un mal producto, así que trabajo en un libro hasta que creo que es bueno". "Soy capaz de escribir en cualquier sitio, siempre que no me hablen, la presencia de gente no me molesta en absoluto. Las pausas entre libros duran tres o cuatro largos meses. "Me siento y tengo que esperar una hora, vaciando, vaciando... Entonces llega una palabra... Empezar un capítulo siempre es difícil, un libro termina cuando sientes que el libro se ha hartado de ti". Lobo dice que la  proximidad de la muerte debido al diagnóstico de un cancer cambió su vida. Cuando estaba enfermo y no sabía si iba a vivir o a morir, "me importaban un bledo los libros y me dieron el Premio Camões.  De hecho, ¿qué es un premio literario? Un premio no honra a un escritor, los escritores honran a los premios. Deberíamos felicitar al Nobel porque algunos grandes escritores lo han ganado".
 Lobo Antunes detesta el ordenador: "Escribir en un ordenador es como hacer el amor con un preservativo".
 Cuando estás trabajando en un libro, no tienes tiempo para casi nada. No compra ni lee periódicos, rara vez ve las noticias en televisión. Termina un libro cuando ya no puede soportar más correcciones. "Como cuando quieren besarte y ya no te apetece, y tienes los labios como filetes, y si te tocan, te tumbas en el borde de la cama, esperando que no te toquen más... Y entonces sientes que el libro ya ha tenido suficiente".
António Lobo Antunes estudió Medicina en Lisboa y trabajó de psiquiatra antes de ser llamado a filas, en 1970, para servir al ejército portugués como médico militar en la Guerra de Angola. Allí conoció a Ernesto Melo Antunes, uno de los cabecillas de la posterior Revolución de los Claveles, en la que Lobo Antunes tomó parte. Marcado profundamente por la experiencia de la guerra, cuando regresó a Lisboa abandonó la psiquiatría y se sumergió en su obra literaria, que pronto brilló por su originalidad y se convirtió en una de las más sólidas e importantes de la literatura portuguesa contemporánea. Merecedor de múltiples galardones, su extensa producción ha sido traducida a más de veinte idiomas, y es un firme candidato al Premio Nobel de Literatura, que no le otorgarán porque no es negro, ni  mujer, ni  chino, ni trans en trámite de transición en perro o cualesquiera otra forma de la anormalidad.
Con Não entres tão depressa nessa noute escura,  António Lobo Antunes consigue envolvernos en los laberínticos meandros de la memoria, que van creando un juego de flujos y reflujos con los restos de los recuerdos. La creación perpetua de la mente queda registrada en el mismo marco que sostiene el libro: los siete días con sus citas correspondientes del Génesis bíblico. Pero esa cifra, síntesis simbólica del período de la creación del universo, sirve de recurso irónico para mostrar lo inaprensible del transcurso del tiempo. Entre el vertiginoso paso de los años y la lentitud de la conciencia narradora, su protagonista, Maria Clara, va reconstruyendo, mediante recursos como el diario íntimo, el monólogo o la confesión psicoanalítica, su vida familiar con su madre, su padre, su abuela, su hermana Ana Maria o su criada Adelaide. Pero todo este discurso fragmentario no es más que una apariencia de su verdadera vida, pues el lector irá advirtiendo, a medida que avanza en su lectura, que hasta la identidad misma de su narradora ;calificada por otras voces como «el hombre de la casa»; es falsa. 
Lobo Antunes organiza la novela en siete días que se corresponden con los siete días de la Creación. Son siete días que reúnen en unas horas las experiencias de una familia convocada alrededor de un padre enfermo. Una intervención quirúrgica servirá para reconstruir la peripecia de unos personajes de la alta burguesía colonial del Portugal salazarista. Bajo la apariencia de respetabilidad, se esconde un turbio pasado, donde la hija de un antiguo gobernador de Mozambique se casará con un traficante de armas para restañar la maltrecha economía familiar. El matrimonio no evitará la catástrofe, cuando la antigua colonia consiga la independencia y se imponga el exilio forzoso. Ya en la metrópoli, nunca cesarán las fantasías sobre el esplendor perdido, incluso cuando los acreedores obtengan una orden de desahucio que desposeerá a la familia de su última propiedad.
Lobo subvierte los modelos clásicos de narración, establece, en su proyecto de escritura, el uso de recursos como los múltiples puntos de vista narrativos, que combinan y reordenan el testimonio de los personajes de forma continua, imposibilitando que el lector confíe en una versión única y acabada de los hechos. La elaboración del tiempo ficticio, desde esta perspectiva, aunque se organiza de forma lineal, ya que la novela se estructura en capítulos que corresponden a una hora concreta en el transcurso de un amanecer imborrable, hace operativa la experiencia de la eternidad a través de la percepción de los personajes y de los recursos mnemotécnicos que utilizan para desorganizar sus recuerdos. El análisis de los marcadores temporales que, según Paul Ricoeur, están aliados a la construcción de un tiempo eterno e inaprensible, está anclada en la esencia creativa del Lisboeta, que se vuelve hacia una escritura que cuestiona insistentemente su propia forma, sus límites y sus propósitos." El libro decide cuándo está acabado. Llega un momento en que empiezas a sentir que el libro ya no te quiere. Es como una mujer que ya no te ama, que se sienta en la esquina de la cama y que, si la tocas, te esquiva; si la intentas besar, te aparta la cara. Comprendes que el libro está harto de ti. Es el libro quien dirige todo. Yo escribo sin plan, él toma sus propias decisiones , quedo a su merced". Como bien a escrito Gustavo Martín Garzo: "Un canto contra la muerte. Dividido en los siete días de la creación, este libro dulce y triste trata de poner  en el mundo un poco de cordura y amor."

Let's be careful out there 


domingo, 17 de septiembre de 2023

Ernst Jünger: el último gigante.

El auténtico problema es que una mayoría no quiere la libertad y aun le tiene miedo. Para llegar a ser libre hay que ser libre, pues la libertad es existencia, concordancia consciente con la existencia, y es el placer, sentido como destino, de hacerla realidad.
Ernst Jünger, la emboscadura

Nacido en 1895 y muerto en 1998, combatiente en las dos grandes guerras y autor de una larga serie de textos ensayísticos, literarios y de memorias, Ernst Jünger merece sin ningun género de dudas  la condición de «testigo del siglo XX» que a menudo se emplea para caracterizarlo. Su vida y obra están marcadas, de
 hecho, por la participación en los grandes acontecimientos de su tiempo: ya en 1913 viaja a Argelia alistado en la Legión extranjera (experiencia que relataría en Afrikanische Spiele [Juegos africanos], 1936) y posteriormente participa en la Primera Guerra Mundial, siendo distinguido por su comportamiento heroico con la más alta condecoración militar. Durante los siguientes años, Jünger vive en Hannover, Leipzig y Berlín, y estudia filosofía, zoología y botánica. La serie de sus publicaciones comienza con In Stahlengewittern. Aus dem Tagebuch eines Sturmtruppführers [Tempestades de acero. Del diario de un comandante de tropas de asalto] (1920), en la que narra su experiencia en la guerra , y con la que obtiene una amplísima resonancia. De la misma época son Der Kampf als inneres Erlebnis [La lucha como experiencia interior] (1922), Das Wäldchen [El bosquecillo] (1924) y Feuer und Blut [Fuego y sangre] (1924), así como diversas composiciones literarias y poéticas deudoras del expresionismo alemán de la década de los veinte. Durante esta etapa crucial en la historia alemana, la República de Weimar (1919-1933), Jünger inicia su actividad política, relacionándose con grupos de carácter revolucionario y nacionalista, en particular con el nacionalbolchevismo de Ernst Niekisch, en cuya revista Der Wiederstand [La resistencia] colabora junto con su hermano Friedrich Georg. Años después, Jünger diría de Niekisch que «encarnaba verdaderamente un ethos de resistencia», que sin un programa político definido se manifestaba con vigor «contra la república de Weimar, contra el Diktat de Versalles, contra la burguesía, contra el mundo occidental y sus imperativos económicos y capitalistas». No es difícil ver en estas consideraciones la imagen de un momento políticamente convulso, marcado por las durísimas consecuencias que la Primera Guerra Mundial acarrea para Alemania (entre las que se cuenta un profundo sentimiento de humillación e indefensión ante las potencias extranjeras) y por la difícil convivencia política de conservadores, excombatientes, socialdemócratas y comunistas. Unas palabras de Jünger en 1926 muestran lo que sería, según ha destacado Enrique Ocaña (Duelo e historia, 1996), el núcleo de su trayectoria: «somos una generación que fue llamada a grandes realizaciones y que se ha encontrado con el fracaso […]. Hemos de ser capaces de creer en un sentido histórico más elevado que el que nuestros padres dieron al acontecer histórico […]. De lo contrario, el suelo sobre el que nos sustentamos se abrirá de un golpe bajo nuestros pies y nos precipitaremos hacia un mundo absurdo, caótico y azaroso. Es necesario que tengamos fe en la existencia de un orden lleno de sentido». Esta posición( de radiante actualidad y obligada reflexión) aproxima a Jünger al contexto de la «revolución conservadora», definida por su oposición al ideario ilustrado —entre cuyas derivaciones se encuentra el liberalismo democrático— y por su anhelo de regenerar, sobre los principios de la decisión, la voluntad y el honor, el sentido que la vida colectiva habría perdido en el proceso de modernización social. En 1929 Jünger publica Das abenteuerliche Herz [El corazón aventurero], y en 1932 aparece Der Arbeiter [El trabajador], uno de sus más conocidos y controvertidos escritos, en el que valora el irrefrenable ascenso de la figura históricometafísica de la edad de la técnica: el Trabajador, pensado sobre los rasgos del monje y el soldado y considerado el sustrato de un orden político aristocrático. Die totale Mobilmachung [La movilización total] (1930) y Über den Schmerz [Sobre el dolor] (1934) son otros textos relevantes de este momento. Próximo en algunos aspectos a las aspiraciones revolucionarias del nacionalsocialismo, Jünger no llega a implicarse en el movimiento: la novela Auf den Marmorklippen [Sobre los acantilados de mármol] (1939) hace patente su separación de los dirigentes del partido nazi, entre ellos el propio Hitler, a los que jamás consideró a la altura de las exigencias de su tiempo. Alistado de nuevo al inicio de la Segunda Guerra Mundial, Jünger es destinado al mando alemán en el París ocupado: de su estancia en Francia y del desarrollo del conflicto son valioso testimonio sus célebres diarios, publicados con el título de Strahlungen [Radiaciones] (1949), que constituyen una de las cumbres de la literatura memorialista europea, así como Gärten und Strassen [Jardines y calles] (1942), diarios de 1939 y 1940. Sospechoso para el nazismo por su contacto en París con los responsables del atentado contra Hitler en 1944, es apartado del ejército: su distancia del régimen nazi le permitiría después evitar el juicio por parte de las fuerzas de ocupación, aunque durante un breve periodo se le impidió publicar. Desde 1950 hasta su muerte, Jünger reside en Wilflingen, en una larga etapa final de su vida en la que publica textos tan relevantes como Der Friede [La paz] (redactado en 1941 y publicado en 1946, y en el que apunta que «la guerra mundial sólo encontrará una conclusión satisfactoria si la corona una paz mundial que confiera sentido al sacrificio»), Über die Linie [Más allá de la línea] (1949), escrito en homenaje a Heidegger en su sexagésimo cumpleaños (y al que éste contestaría, años después, con la carta «Über» die linie [«Sobre» la línea], llamada más tarde Zur Seinsfrage [Hacia la pregunta por el ser]), Der Waldgang [La emboscadura] (1951), Das Sanduhrbuch [El libro del reloj de arena] (1954), Der Weltstaat [El estado mundial] (1960) y Die Schere [La tijera] (1990), además de los volúmenes de diarios Siebzig verweht [Pasados los setenta] (1980-1997), las novelas Heliópolis (1949), Besuch auf Godenholm [Visita a Godenholm] (1952), Gläserne Bienen [Abejas de cristal] (1957), Die Zwille [El tirachinas] (1973), Eumeswil (1977) y Eine gefärliche Begegnung [Un encuentro peligroso] (1985), y el libro de aforismos Autor und Autorschaft [El autor y la escritura] (1984). En ellas Jünger completa sus argumentos y desgrana luminosas anotaciones sobre problemas como el tiempo, la paz mundial, la posibilidad de la libertad en tiempos de masificación, la experimentación con las drogas (compartida con Albert Hofmann, descubridor del LSD, y presentada en Annäherungen. Drogen und Rausch [Acercamientos. Drogas y ebriedad], 1970) o la idea de un Estado mundial compatible con la pluralidad de las patrias. A lo largo de estos años, la figura intelectual y literaria de Jünger adquiere un peso notable en la cultura europea, si bien la polémica con respecto a su relación con el nacionalsocialismo nunca llega a apaciguarse. La larga trayectoria vital de Jünger obliga a medir con cuidado cualquier clasificación. Su pensamiento viene marcado inicialmente por un fuerte belicismo heroico, y deriva paulatinamente hacia una interpretación histórica de tintes románticos y mitológicos, que se adscribe a la crítica conservadora del orden técnico-burocrático y mantiene la esperanza de una salvación civilizatoria («el retorno de los dioses» de Hölderlin) capaz de otorgar sentido al dolor provocado a lo largo del siglo XX. Su obra, influida por Hamann, Nietzsche, Max Stirner y Schopenhauer, y próxima a Spengler, Heidegger y Schmitt, es testimonio de una posición para la cual los caminos de la cultura europea, cegados por el nihilismo y la decadencia, sólo pueden reconducirse a través del riesgo, la valentía, el compromiso con los propios valores y el anhelo de grandeza espiritual: «quizá nos sacrificamos por algo insustancial», escribía en La lucha como vivencia interior, «pero nadie puede negar nuestra valía. Lo esencial no es para qué luchamos, sino cómo luchamos […]. La lucha, la disposición de la persona, incluso por la más insignificante de las ideas, tiene más peso que cualquier especulación sobre el bien o el mal». Es este el contexto en el que adquieren presencia las figuras esenciales del imaginario jüngeriano —el Soldado, el Trabajador, el Emboscado, el Anarca—, en las que la fascinación de principios de siglo ante el nuevo orden se vuelve resistencia a los resultados de la evolución social. En las anotaciones finales de su último diario publicado, fechadas el 15 de diciembre de 1995, puede leerse: «el día comienza con autógrafos; mi mujer escoge entre la correspondencia las peticiones. Aún tengo una letra presentable. Un viejo guerrero no tiembla».

Let's be careful out there 

martes, 12 de septiembre de 2023

El 12: una luz que no se apagará.


«En vez de los combates de su madurez, en vez de la oposición entre la batalla y el idilio, Beethoven introdujo en los últimos cuartetos la comparación de dos estados platónicos. Hizo contrastar las profundas quejas y los sacrificios con danzas y alegrías simplemente humanas, pero sin ponerlas en duelo, como en el tiempo de su resplandeciente música de cámara. A decir verdad, los cinco cuartetos son monólogos de un hombre que pasea en la noche».
Emil Ludwig, Vida de Beethoven.


El 12 es algo más que una fecha en el mes de septiembre, que también; además fue mi número de clase durante mis estudios de educación  general básica extendiéndo su pitagórica alquimia a lo largo de un  bachillerato cuyo nivel de exigencia hoy daría para una cátedra, asimismo, lució grabado a mi espalda en mi camiseta de baloncesto durante mi período colegial
De igual modo, la suma de 12 es tres que restado al 15 regresa al 12. Igualmente son doce los apóstoles y el  primero de los últimos cuartetos de Beethoven: pero todo este galimatías cobra sentido cuando  la luz cenital de Bach choca sobre el gnomon de Ludwig y Dmitri sujeto en el  ombligo de una mujer.
El filósofo Nelson Goodman asegura que el placer obtenido de una obra de arte se deriva del uso del entendimiento al que esa obra nos obliga. Pues bien, Prism I, el primer disco de un proyecto de cinco álbumes para el sello ECM ( cómo no) todos ellos extraordinarios, exige una escucha ciertamente concentrada ( al igual que la mujer) de la que es imposible salir indemne. 
El propósito del Danish String Quartet consiste en la  selección de una serie de conjuntos musicales basados ​​en el impacto histórico y musical de la escritura fugaz fundamental de Bach, los últimos cuartetos de cuerda de Beethoven y composiciones que nacieron de estas obras fundamentalmente influyentes, incluidos los cuartetos de Shostakovich, Schnittke, Bartók, Mendelssohn y Webern. 
Prisma I presenta  el cuarteto N°. 12 de Beethoven, el 127 en mi bemol mayor, la fuga de Bach en la misma tonalidad (arreglada por Mozart) y el último cuarteto de cuerda de Shostakovich, n.° 15 en mi bemol menor. 
Para muchos, los quince cuartetos de cuerda de Dmitri Shostakovich representan un ciclo de devoción artística y expresión intensa e íntima, sólo superado por los dieciséis cuartetos de Beethoven. Para Shostakovich, los cuartetos proporcionaron un refugio de los géneros más públicos y altamente examinados de la ópera, la sinfonía, el ballet o la música cinematográfica, donde un juicio negativo por parte de las autoridades totalitarias amenazaba con un peligro real y grave. El significado musical "absoluto" sin palabras de la música de cámara instrumental proporcionaba un refugio seguro incluso cuando esa música "doméstica" de amigos se interpretaba en público. Aquí podía expresarse de forma más natural y honesta y, como ocurrió con el último Beethoven, la música suele ser profundamente personal, introspectiva y vívidamente autobiográfica. Shostakovich fue también un gran clasicista, Atraído por los preludios y fugas de Bach y los trascendentes cuartetos de Beethoven, se esforzó por hacer su contribución a estas augustas tradiciones musicales. Planeaba componer un conjunto de veinticuatro cuartetos de cuerda, uno en cada tono mayor y menor, pero se le acabó el tiempo muriendo de un cáncer agresivo: Shostakovich completó su decimoquinto y último cuarteto de cuerda a la edad de 68 años en 1974, menos de un año antes de morir.
El 15º Cuarteto de Cuerda es uno de los cuartetos más intensos de la historia del género, único en su construcción y efecto dramático. Si bien comparte muchas cualidades con otros cuartetos de Shostakovich,  es singular por su implacable oscuridad. El cuarteto consta de seis adagios, todos en clave de mi bemol menor, tocados sin pausa en un continuo continuo de profunda tristeza. Con títulos de movimientos como Elegía y Marcha fúnebre, queda sombríamente claro lo que Shostakovich busca expresar.
El primer movimiento, Elegía, es más del doble de largo que cualquiera de los cinco movimientos restantes. Presenta una melodía en forma de canto fúnebre o canto fúnebre de absoluta simplicidad entonada por cada intérprete en una entrada fugaz y escalonada que Shostakovich etiqueta como "solo" como para enfatizar una condición de aislamiento solitario. Un segundo tema basado en un simple acorde arpegiado en do mayor aporta una ligereza más esperanzadora, pero queda subsumido por la prevaleciente procesión oscura y lenta susurrada en pianissimos simples y dobles. El dolor se rompe repentinamente con gritos de un efecto sonoro perturbador donde las notas individuales crecen rápidamente  en un áspera sonoridad, cada una comenzando donde la otra terminó y lanzando así el segundo movimiento, Serenata.  De estw modo, pizzicatos, acordes disonantes, texturas escasas y solos embrujados acaban cojeando hasta convertirse en un vals fantasmal, incorpóreo, y sumamente inquietante. Las notas finales de un solo de violonchelo crean un punto  profundo y sostenido cuando el primer violín explota repentinamente en un recitativo violento y altísimo y sobreviene un breve y salvaje tercer movimiento, Intermezzo.
Si bien los títulos "Serenata" e "Intermezzo" parecen, en el mejor de los casos, irónicos, el  Nocturno del cuarto movimiento,  es fiel a su título, lánguido, hermoso, seductor de una manera que podría ser una flor rara y fragante que florece de noche, escabroso y mortal en su esencia.  Amplios arpegios, sordinas, armonías exóticas y una dulce melodía casi enfermiza cautivan hasta que el ritmo agudo y punteado de la inminente marcha fúnebre irrumpe y conduce de nuevo sin problemas a los siguientes cuadros. Mientras que el cuarteto se une para unos pocos acordes intermitentes de efecto inconfundible, la marcha de la muerte es, como gran parte de todo el cuarteto, una serie de solos como una melodía de repuesto,  hasta el violonchelo, desde el arco nervudo hasta el seco pizzicato, terminando nuevamente en un solitario aislamiento con la viola aflautada.
¿Qué viene después de la muerte? Para Shostakovich, el final es un epílogo de afecto indescriptible. Los escalofriantes trinos que revolotean sobre el morboso violonchelo han sugerido a algunos los sonidos del viento silbando en un cementerio, una conclusión asombrosa de lo que debe considerarse una de las evocaciones musicalmente más profundas de la muerte en un vocabulario excepcionalmente vívido del siglo XX.
Tras esta primera pieza ( segunda en el orden del disco), surge un silencio escueto de cuya profundidad asoma el Opus 127, una música que dista mucho de estar desconectada del pasado. El Beethoven tardío no es una isla desensamblada en la música; es una continuación de Bach y los viejos maestros. Más bien Beethoven se centraba profundamente en la tradición y los "viejos tiempos" durante los últimos años de su vida, y estaba especialmente obsesionado con el Clave bien temperado de Bach, del que derivó muchos de los motivos melódicos de sus cinco cuartetos tardíos.
Sin embargo, lo que Beethoven hizo con esta tradición fue alucinante. Sus cinco cuartetos son tan extremos y brillantes que cambiaron el juego. Todos los compositores posteriores a Beethoven tuvieron que considerar estas cinco obras y averiguar de algún modo cómo continuar la antorcha. Beethoven había tomado un desarrollo fundamentalmente lineal de Bach y lo había explotado todo en miríadas de colores, direcciones y oportunidades diferentes, de forma muy parecida a como un prisma divide un haz de luz.
Así es como está concebido el proyecto Prisma. Cada álbum presenta una fuga concreta de Bach que se conecta con un cuarteto tardío de Beethoven que, a su vez, se conecta con un cuarteto de un maestro posterior. 
 Doce años después de los anteriores cuartetos, cuando Beethoven estaba ya enfrascado en su Novena sinfonía, recibió un encargo del príncipe ruso Nicolás Galitzine para componer nuevos cuartetos. Con los tres que le dedicó no se agotó su energía, y aún tuvo tiempo para componer otros dos antes de morir en marzo de 1827. En los cinco cuartetos que escribió desde 1823 hasta bien avanzado 1826, además de ese monumento al contrapunto que es la Gran Fuga, Beethoven llevó sus investigaciones sonoras al más alto grado de concentración interior, prefigurando el futuro del arte de la misma manera que el Goya, también sordo y ensimismado, de las pinturas negras. Las investigaciones en las formas musicales son tal vez lo más visible y, por tanto, lo más analizado en los manuales. Hay otros muchos aspectos, como elucubraciones polifónicas, que todavía hoy nos admiran. Muchos de sus contemporáneos, incluso bien avanzado el siglo XIX, se mostraron incapaces de comprender esta nueva manera beethoveniana, de la que el autor se mostraba tan seguro como orgulloso. De hecho, en algunos de los manuscritos conservados se hace constar expresamente que se trata de cuartetos que apenas guardan relación con los anteriores: «Cuarto cuarteto de los nuevos», afirma el autor de su opus 131 en el Do sostenido menor, hoy decimocuarto. Enigmáticos en ciertos episodios, crueles a veces en sonoridades que el autor no pudo comprobar sensorialmente, estas obras finales de Beethoven admiten múltiples lecturas, pero tienen tantas cualidades que difícilmente podremos ser insensibles a algunas de sus incitaciones. El primero de los tres cuartetos dedicados al príncipe Galitzine, empezó a esbozarlo en 1823 y fue terminado en Gutenbainn, cerca de Badén, en octubre de 1824. Fue estrenado por Schuppanzigh en Viena el 6 de marzo de 1825 con resultados desalentadores. Beethoven, creyendo que había sido mal interpretado, se lo dio al cuarteto rival de Bohm, pero volvió a fracasar. Fue publicado en Maguncia por Schott en marzo de 1826. El autor, previendo sus dificultades, conjuró a los músicos del estreno a poner todo su empeño y a cumplir con su deber, comprometiéndose "por su honor a comportarse lo mejor posible". Son bien conocidas las discusiones con Schuppanzigh por los cuadernos de con versaciones: "No tiene dificultades de técnica, lo que le hace difícil es simplemente su originalidad, que no puede captarse a la primera", opinaba el violinista. Por el poeta berlinés Rellstab, quien le contó que había escuchado una buena versión dos veces seguidas, sabemos que Beethoven pensaba lo mismo: "¡Es tan difícil! (...) Eso está bien, hay que oirlo varias veces", y en otra conversación, con personaje desconocido hoy, había afirmado: "Ya les gustará tarde o temprano. Yo sé lo que valgo. Sé que soy un artista". La proximidad de la Misa solemne y de la Novena sinfonía ha sido muy resaltada por los estudiosos, así como el profundo lirismo relacionado con la contemplación de la naturaleza en Badé." Inevitablemente basamos nuestro trabajo ( han declarado los miembros del cuarteto danés) en lo que sabemos, como individuos y como grupo, pero lo importante para nosotros como músicos es que estas conexiones se experimenten ampliamente a nivel intuitivo, y esperamos que el oyente se una a nosotros en la maravilla de estos haces de música que viajan desde Bach pasando por Beethoven hasta nuestros días". Si este era su deseo, no lo han podido hacer mejor. Al hilo del 12, Shakespeare, de nuevo, lo ha dicho todo, a su deslumbrante y breve manera. Es en As You Like It, la respuesta de Orlando a Rosalinda que le pregunta cuánto tiempo será suya: «Forever and a day». Es decir: «Para siempre y un día»

Let's be careful out there 
 




lunes, 4 de septiembre de 2023

Invisible en el silencio

Gocémonos, Amado, y vámonos a ver en tu hermosura al monte o al collado, do mana el agua pura; entremos más adentro en la espesura.


1. Ya que está hecha la perfecta unión de amor entre el alma y Dios, quiérese emplear el alma y ejercitar en las propiedades que tiene el amor; y así, ella es la que habla en esta canción con el Esposo, pidiéndole tres cosas que son propias del amor. La primera, querer recibir el gozo y sabor del amor, y esa le pide cuando dice: «Gocémonos, Amado». La segunda es desear hacerse semejante al Amado, y esta le pide cuando dice: «Vámonos a ver en tu hermosura». Y la tercera es escudriñar y saber las cosas y secretos del mismo Amado, y esta le pide cuando dice «entremos más adentro en la espesura». Síguese el verso:
Gocémonos, amado
2. Es a saber, en la comunicación de dulzura de amor, no solo en la que ya tenemos en la ordinaria junta y unión de los dos, mas en la que redunda en el ejercicio de amar afectiva y actualmente, ahora interiormente con la voluntad en actos de afición, ahora exteriormente haciendo obras pertenecientes al servicio del Amado. Porque, esto tiene el amor donde hizo asiento, que siempre se quiere andar saboreando en sus gozos y dulzuras, que son el ejercicio de amar interior y exteriormente; todo lo cual hace por hacerse más semejante al Amado. Y así, dice luego: y vámonos a ver en tu hermosura 
3. Que quiere decir: hagamos de manera que, por de este ejercicio de amor ya dicho, lleguemos a vernos en tu hermosura, esto es, que seamos semejantes en hermosura, y sea tu hermosura de manera que, mirando el uno al otro, se parezca a ti en tu hermosura, y se vea en tu hermosura, lo cual será transformándome a mí en tu hermosura; y así te veré yo a ti en tu hermosura, y tú a mí en tu hermosura; y tú te verás en mí en tu hermosura, y yo me veré en ti en tu hermosura; y parezca yo tú en tu hermosura, y parezcas tú yo en tu hermosura, y mi hermosura sea tu hermosura y tu hermosura mi hermosura; y seré yo tú en tu hermosura, y serás tú yo en tu hermosura, porque tu hermosura misma será mi hermosura. Esta es la adopción de los hijos de Dios, que de veras dirán a Dios lo que el mismo Hijo dijo por san Juan (XVII, 10) al Eterno Padre, diciendo: «Omnia mea tua sunt, et tua mea sunt», que quiere decir: ‘Padre, todas mis cosas son tuyas y tus cosas son mías’. Él por esencia, por ser Hijo natural; nosotros por participación, por ser hijos adoptivos. Y así, lo dijo Él, no solo por ti, que era la cabeza, sino por todo su cuerpo místico, que es la Iglesia.
 Al monte o al collado 
4. Esto es, a la noticia matutinal (que llaman los teólogos), que es conocimiento en el Verbo divino, que aquí entiende por el «monte», porque el Verbo es altísima sabiduría esencial de Dios; o vámonos a la noticia vespertina, que es sabiduría de Dios en sus criaturas y obras y admirables ordenaciones, la cual aquí es significada por el «collado», el cual es más bajo que el monte. En decir, pues, el alma «vámonos a ver en tu hermosura al monte», es decir aseméjame e infórmame en la hermosura de la sabiduría divina, que, como decimos, es el Hijo de Dios. Y en decir «o vámonos al collado», es pedir la informe también de su sabiduría y misterios en sus criaturas y obras, que también es hermosura en que se desea el alma ver ilustrada. No puede verse en la hermosura de Dios el alma y parecerse a Él en ella, si no es transformándose en la sabiduría de Dios, en que lo de arriba se ve y se posee. Por eso, desea ir «al monte o al collado»
 Do mana el agua pura
 5. Quiere decir: donde se da la noticia y sabiduría de Dios (que aquí llama «agua pura») al entendimiento, limpia y desnuda de accidentes y fantasías, y clara, sin tinieblas de ignorancia. Este apetito tiene siempre el alma de entender clara y puramente las verdades divinas; y, cuanto más ama, más adentro de ellas apetece entrar; y por eso pide lo tercero, diciendo:
 entremos más adentro en la espesura 6. En la espesura de tus maravillosas obras y profundos juicios, cuya multitud es tanta y de tantas diferencias, que se puede llamar «espesura», porque en ellos hay sabiduría abundante y tan llena de misterios, que no solo la podemos llamar espesa, mas aún cuajada, según lo dice David, diciendo (Salmos, LXVII, 16): «Mons Dei, mons pinguis, mons coagulatus, mons pinguis», que quiere decir: ‘El monte de Dios es monte grueso y monte cuajado’. Y esta espesura de sabiduría y ciencia de Dios es tan profunda e inmensa, que, aunque más el alma sepa de ella, siempre puede entrar más adentro, por cuanto es inmensa y sus riquezas incomprehensibles, según exclama san Pablo (Romanos, XI, 33), diciendo: «¡Oh alteza de riquezas de sabiduría y ciencia de Dios, cuán incomprehensibles son sus juicios e incomprehensibles sus vías»!
 7. Pero el alma en esta espesura e incomprehensibilidad de juicios y vías desea entrar, porque muere en deseo de entrar en el conocimiento de ellos muy adentro; porque el conocer en ellos es deleite inestimable que excede todo sentido. De donde hablando David (Salmos, XVIII, 10-12) del sabor de ellos, dijo así: «Iudicia Domini vera, iustificata in semetipsa, desiderabilia super aurum, et lapidem pretiosum multum, dulciora super mel et favum; nam et servus tuus dilexit ea», que quiere decir: ‘Los juicios de Dios son verdaderos y en sí mismos tienen justicia; son más deseables y codiciados que el oro y que la preciosa piedra de grande estima; y son dulces sobre la miel y el panal, tanto, que tu siervo los amó y guardó’. Y, por eso, en gran manera desea el alma engolfarse en estos juicios y conocer más adentro en ellos y, a trueque de esto, le sería grande consuelo y alegría entrar por todos los aprietos y trabajos del mundo, y por todo aquello que le pudiese ser medio para esto, por dificultoso y penoso que fuese. 
8. Y así se entiende también en este verso la espesura de los trabajos y tribulaciones, en la cual desea el alma también entrar cuando dice: «Entremos más adentro en la espesura», es a saber, de trabajos y aprietos, por cuanto son medio para entrar en la espesura de la deleitable sabiduría de Dios; porque el más puro padecer trae y acarrea más puro entender y, por consiguiente, más puro y subido gozar, por ser de más adentro. Por tanto, no se contentando con cualquiera manera de padecer, dice: «Entremos más adentro en la espesura». De donde Job (VI, 8), deseandoeste padecer, dijo: «Quis det ut veniat petitio mea, et quod expecto tribuat mihi Deus? et qui coepit, ipse me conterat, solvat manum suam, et succidat me? et haec mihi sit consolatio, ut affligens me dolore, non parcat mihi»?, que quiere decir: ‘¿Quién dará que mi petición se cumpla y que Dios me dé lo que espero, y el que me comenzó, ese me desmenuce, y desate su mano y me acabe, y tenga yo esta consolación, que afligiéndome con dolor no me perdone ni dé alivio?’. 9. ¡Oh, si se acabase ya de entender cómo no se puede llegar a la espesura de sabiduría y riquezas de Dios, si no es entrando en la espesura del padecer de muchas maneras, poniendo en eso el alma su consolación y deseo! ¡Y cómo el alma que de veras desea sabiduría, desea primero de veras entrar más adentro en la espesura de la cruz, que es «el camino de la vida, por que pocos entran!» (Mateo, VII, 14). Porque desear entrar en espesura de sabiduría y riquezas y regalos de Dios es de todos; mas desear entrar en la espesura de trabajos y dolores por el Hijo de Dios, es de pocos, así como muchos se querrían ver en el término, sin pasar por el camino y medio a él.

Let's be careful out there .

Nota: Este artículo es la transcripción ( breve muestra )  de la versión  anotada del Cántico Espiritual de San Juan de la Cruz de la colección clásicos de la RAE.


viernes, 1 de septiembre de 2023

Puro refinamiento lejos de la ciénaga

Los daneses son notables, como siempre: capaces de una mezcla intensa, una variación dinámica extrema (en la que parecen pegados), una entonación perfecta incluso en los armónicos y una vitalidad y fluidez constantes.
Mark Swed, Los Angeles Times.

El Danish Sring Quartet ha celebrado su 20º Aniversario en 2022-23, y sigue afirmando su preeminencia entre los mejores cuartetos de cuerda del mundo. Para Robert Battey , crítico del  Washington Post, y que sabe de lo que habla, el Danish String Quartet es uno de los mejores cuartetos de cuerda de todos los tiempos: no puedo estar más de acuerdo con él. Tanto en disco como en directo, el Cuarteto de cuerda danés destaca no porque sean más brillantes o más elegantes que otros gigantes como el Kronos Quarter o el Cuarteto Quiroga sino por su ágil carisma, su elegante repertorio y la forma en que su luz y su matiz granulado pueden girar en un abrir y cerrar de ojos. Son, por su impecable musicalidad, su sofisticado arte, su exquisita claridad de conjunto y, sobre todo, por su inigualable capacidad para tocar como uno solo casi inasibles. Sus interpretaciones se caracterizan por una rara espontaneidad musical, dando al público la sensación de escuchar incluso el atesorado repertorio canónico como si fuera la primera vez: exudan una alegría palpable en cada  creación musical y tanto su programación inventiva e intrigante  como sus elecciones para concierto  han producido proyectos y encargos originales aclamados por la crítica, así como arreglos populares de música folclórica escandinava. 
Así,  esta temporada, el Cuarteto de Cuerda Danés continúa su serie Doppenlgänger, un ambicioso proyecto internacional de encargos de cuatro años de duración. Doppenlgänger empareja estrenos mundiales de cuatro compositores de renombre -Bent Sørensen, Lotta Wennäkoski, Anna Thorvaldsdottir y Thomas Adès- con grandes obras de cámara tardías de Schubert. Cada temporada, el Cuarteto interpreta un estreno mundial en un programa con su doppenlgänger -el cuarteto o quinteto de Schubert que lo inspiró-, culminando en 2024 con el estreno de un quinteto de Adès, después del Quinteto de cuerda en do mayor. 
 Los Doppenlgänger son encargos del Cuarteto de cuerda con el apoyo del Carnegie Hall, Cal Performances, UC Santa Barbara Arts & Lectures, Vancouver Recital Society, Flagey en Bruselas y Muziekgebouw en Ámsterdam, y su proyecto discográfico más reciente es PRISM, una serie de cinco discos en ECM New Series ( otra exquisitez marca de la discográfica bávara) que explora las simbióticas relaciones musicales y contextuales entre las fugas de Bach, los cuartetos de cuerda de Beethoven y las obras de Shostakovich, Schnittke, Bartok, Mendelssohn y Webern. Ahí es nada. Por otro lado, la discografía del Cuarteto también refleja la especial afinidad del conjunto por los compositores escandinavos, con la integral de los cuartetos de Carl Nielsen (DaCapo, 2007 y 2008) y Adès, Nørgård & Abrahamsen, su debut en ECM en 2016, y en esta línea han publicado dos discos de música folk tradicional escandinava, Wood Works (Dacapo, 2014) y Last Leaf (ECM, 20127), que fue uno de los mejores álbumes clásicos del año, según la elección de NPR y el The New York Times, entre otros. 

Los violinistas Frederik Øland y Rune Tonsgaard Sørenson y el violista Asbjørn Nørgaard se conocieron de niños en un campamento de verano musical donde jugaban al fútbol ( no confundir con el juego de la pelota de Jenny y demás comancheras) y hacían música juntos. De adolescentes, empezaron a estudiar música de cámara clásica y tuvieron como mentor a Tim Frederiksen, de la Real Academia Danesa de Música de Copenhague. En 2008, a los tres daneses se les unió el violonchelista noruego Fredrik Schøyen Sjölin. Todo lo que pueda afirmarse  sobre ellos es banal. Pero nada podría haberme preparado realmente para el tornado de energía que el cuarteto desató con su interpretación del Cuarteto de cuerda nº 14 de Schubert, "La muerte y la doncella" hace un año en Munich...  Entonces no necesité nada más, ningun otro argumento ontológico, para saber que...Dios existe.

Let's be careful out there