sábado, 3 de febrero de 2024

La vida se arrastra desde el comienzo

Bazófia: vaidade excesiva e sem fundamento; comportamento afetado; o que chama atenção  pela presunção exagerada

 Asclepio guarisce un’ammalata. Atene, Museo del Pireo. La medicina greca non nacque tuttavia dall’attività dei «sacerdoti guaritori» del mitico Asclepio, figlio di Apollo e Coronide, bensì dall’esperienza e dalle indagini delle scuole mediche annesse ai templi, nelle quali i medici presero gradualmente distanza dai sacerdoti, definendo la propria specifica identità professionale sulla base di ricerche condotte secondo precisi criteri metodici

Asclepio cura a un enfermo. Atenas, Museo del Pireo. Sin embargo, la medicina griega no se originó a partir de las actividades de los "sacerdotes curanderos" del mítico Asclepio, hijo de Apolo y Corónides, sino más bien de la experiencia y las investigaciones de las escuelas médicas adscritas a los templos, en las que los médicos se distanciaron gradualmente de los sacerdotes, definiendo su propia identidad profesional específica sobre la base de investigaciones realizadas según criterios metódicos precisos

TUDO O QUE CRESCE PRECISA DE MUITO TEMPO PARA CRESCER

E começo a ter o livro. Quer dizer, sinto-me pronto a escutar as vozes que guiam a mão, já consegui despir-me interiormente de tudo o que não é ele, respiro palavras, como palavras, deito-me com palavras, acordo com palavras, os murmurios interiores não cessam, vou começar. É apenas disso que necessito para começar: não ter mais nada dentro a não ser a obra e o que existe à minha volta se esbater até deixar de existir. Julgo que, por fora, não se nota, tenho a certeza que, por fora, não se nota. E o que vem até mim ou entra no livro ou é rejeitado. Cheguei de França, tenho de ir a Espanha e mal volte de Espanha principio. Ao fim de dois ou três meses o material torna-se sólido, ou antes um núcleo sólido a que se vão acrescentando filamentos, cicios, murmurios, pedacinhos de coisas, parágrafos, afinal inúteis, que se desprendem, permanecem um momento a vogarem, somem-se, um após outro, além das fronteiras que me limitam. Ou não bem limitam, me cercam e mudam, porque o país que sou se altera, encolhe, cresce, anexa estranhas regiões desconhecidas, cujo idioma tento entender a pouco e pouco. Meu Deus, existem dúzias
de línguas diferentes cá dentro, para as quais vou construindo uma gramática, de início rudimentar e depois progressivamente mais complexa. Quem não inventa uma língua junta linhas, não escreve
Acabo de chegar de Espanha nem há uma hora sequer, comi com alguns dos escritores de que mais gosto, Juan Marsé, Ana María Moix, o grande crítico Ignacio Echevarría. Juan e Ignacio acabaram agora cada qual o seu trabalho: um belíssimo romance chamado Caligrafia dos Sonhos e uma antologia de textos de Rafael Sánchez Ferlosio, na minha opinião a melhor mão viva de Espanha, julgo que nunca traduzido em Portugal
(porquê?)
que deu a mais perfeita definição de um escritor ao referir-se à primeira
(acho que primeira)
mulher, a também escritora Carmen Martín Gaite:
Carmen é uma viúva que tem o morto em casa.
Acabo de chegar de Espanha
(Sánchez Ferlosio é inclassificável)
revejo os poucos apontamentos que juntei para o livro e decido: vou iniciar isto no dia 25 de fevereiro, em homenagem ao aniversário de um amigo muito querido. Vai ser um texto longo, apetece-me segregar um texto longo com a mulher que me apareceu e anda cheiinha de vontade de começar a abrir a boca. Conserva-a fechada até ao dia vinte e cinco se fazes favor. No caso de a pessoa que está sentada no escuro à minha espera consentir, publica-se lá para o fim de 2013. Carmen é uma viúva que tem o morto em casa. Anita Moix está com um romance. Andam todos a trabalhar menos eu. As traduções não param de me chegar a casa. E eu sem fazer nada, raios partam, adianto estas crónicas para ter espaço, mas as crónicas são um galope diferente, que me seca a cadência do livro e me atrapalha o ritmo. O segredo de escrever é ser estrabico, ter um olho na bola e outro nos jogadores. Em miúdo espantava-me que os olhos dos lagartos fossem independentes um do outro, mas quando comecei nesta vida descobri-me lagarto numa pedra, à coca, muito quietinho, rodando as pupilas para sítios diferentes, guloso da mosca de uma frase. Descobri também que o passado é a coisa mais imprevisível do mundo, não pára de se transformar. Lá vêm os mortos, diferentíssimos
- Olá, rapaz, que tal ficamos assim?
e eu a demorar a reconhecê-los, surpreendido, a escutar
Sou este, sou aquele
a olhar melhor, a concordar
- De facto
e a ter de passar a existência a limpo para a adaptar àquilo. Terei mesmo o livro, será este? Eu para Juan Marsé
Será o livro?
ele
Daqui a dois anos sabes
e daqui a dois anos sei, mas daqui a dois anos o que será de mim?
Gosto de Barcelona com sol, gosto de falar de bola com os choferes de táxi. Carmen é uma viúva, etc. Jornal atrás de jornal, televisões, conferências, a maneira de as espanholas cruzarem a perna até ficarem parecidas com chamas de vela e eu a acertar as pupilas de lagarto para as focar melhor. Não tive tempo para estar com o pintor Albert Cruells que sorri com o corpo todo. E, atrás das casas, escondido, o mar. Tão escondido como o hotel, demasiado à vista, com cujo endereço nunca atino. A fotógrafa colombiana, arrastando botas de soldado de um exército perdido, que não pára de me tirar retratos. Mostra-me fotografias de escritores, coisa que nunca me interessou
(quero lá saber como são ou eram as caras deles)
e eu a fingir que vejo para não parecer mal educado. E um caderno inteiro com imagens de um romancista que não me agrada por aí além, desde pequeno, nas suas diversas metamorfoses a caminho do insecto perfeito, de óculos escuros e gola para cima, severo, profundo. Encontrei-o em Paris há uns meses, grave e trágico. Acho que nunca o vi sorrir, sempre a tomar pastilhas, esquisitíssimo. O jardim zoológico dos literatos e afins deixa-me sempre de boca aberta. Com o tempo conheço-os a todos, e aqueles que me interessam são pouquíssimos. Hoje, doze de fevereiro, faltam treze dias para o livro. O que farei até lá? Ler, com ganas de começar logo a corrigir o que leio. Agora, de novo em casa, posso fechar-me outra vez, não ver ninguém, não ter opiniões, não dar respostas, não dizer
Obrigado
não fingir que me interesso enquanto penso noutra coisa. Apetece- -me estar a sós comigo, na minha cadeira, em paz. De vez em quando um morto
Lembras-te de mim?
e não sei se me lembro de ti. Lembro-me de hoje ter acordado a meio da noite a pensar que era feliz, e de voltar a adormecer agarrado a um brinquedo que não havia. Devo ser feliz porque há sol lá fora. Em havendo sol lá fora não preciso de mais nada. Até os móveis me parecem contentes. Como se acaba esta crónica? É simples: deixa-se tudo em branco a seguir.
António Lobo Antunes, Quinto livro de crónicas.

TODO LO QUE CRECE NECESITA MUCHO TIEMPO PARA CRECER

Y empiezo a tener el libro. Quiero decir que me siento preparado para escuchar las voces que guían mi mano, he conseguido despojarme de todo lo que no es él, respiro palabras, como palabras, me acuesto con palabras, me despierto con palabras, los murmullos interiores no paran, voy a empezar. Eso es todo lo que necesito para empezar: no tener nada dentro salvo el trabajo, y que lo que me rodea se desvanezca hasta que ya no exista. No creo que se note desde fuera, estoy segura de que no se nota desde fuera. Y lo que me llega, o entra en el libro o es rechazado. He llegado de Francia, tengo que ir a España y en cuanto vuelva de España empezaré. Al cabo de dos o tres meses, el material se vuelve sólido, o más bien un núcleo sólido al que se añaden filamentos, cicios, murmullos, trocitos de cosas, párrafos, en definitiva inútiles, que se desprenden, permanecen un momento, a la deriva, y luego se suman, uno tras otro, más allá de las fronteras que me limitan. O no me limitan, me rodean y me cambian, porque el país que soy cambia, se encoge, crece, se adhiere a extrañas regiones desconocidas cuyo lenguaje intento comprender poco a poco. Dios mío, hay docenas de lenguas diferentes en mi interior, para las que estoy construyendo una gramática, rudimentaria al principio y luego progresivamente más compleja. Quien no inventa una lengua une líneas, no escribe
Acabo de volver de España, no hace ni una hora, y he comido con algunos de los escritores que más me gustan, Juan Marsé, Ana María Moix, el gran crítico Ignacio Echevarría. Juan e Ignacio han terminado ahora cada uno su propia obra: una hermosa novela titulada Caligrafía de los sueños y una antología de textos de Rafael Sánchez Ferlosio, en mi opinión la mejor mano viva de España, que creo que nunca se ha traducido en Portugal.
(¿por qué?)
que dio la definición más perfecta de escritor cuando se refirió al primer
(creo que primera)
esposa, la escritora Carmen Martín Gaite:
Carmen es una viuda que tiene al muerto en casa.
Acabo de volver de España
(Sánchez Ferlosio es inclasificable)
Repaso las pocas notas que he reunido para el libro y decido: voy a empezarlo el 25 de febrero, en honor del cumpleaños de una amiga muy querida. Va a ser un texto largo, me apetece segregar un texto largo con la mujer que se me ha aparecido y está deseando empezar a abrir la boca. Manténgala cerrada hasta el día veinticinco, por favor. Si la persona que está sentada en la oscuridad esperándome da su consentimiento, se publicará a finales de 2013. Carmen es una viuda que tiene al muerto en casa. Anita Moix está trabajando en una novela. Todo el mundo trabaja menos yo. Las traducciones siguen llegando a mi casa. Y yo no hago nada, maldita sea, voy aplazando estas crónicas para tener espacio, pero las crónicas son otro tipo de galope, que entorpece la cadencia del libro y altera mi ritmo. El secreto de la escritura es ser estrábico, tener un ojo en la pelota y el otro en los jugadores. Cuando era niño, me asombraba que los ojos de los lagartos fueran independientes unos de otros.
Eran independientes entre sí, pero cuando empecé en esta vida descubrí que yo era un lagarto sobre una roca, a la espera, muy tranquilo, girando las pupilas en distintos sitios, ávido de la mosca de una frase. También descubrí que el pasado es lo más imprevisible del mundo.
No para de cambiar. Aquí vienen los muertos, muy diferentes
- Hola, chico, ¿qué te parece esto?
y tardo en reconocerlos, sorprendido, escuchando
soy éste, soy aquél
mirando más de cerca, de acuerdo
- En efecto
y teniendo que limpiar mi existencia para adaptarla a eso. ¿Realmente tengo el libro, es éste? Yo a Juan Marsé
¿Es el libro?
Él
Dentro de dos años lo sabrá
Y en dos años lo sé, pero en dos años ¿qué será de mí?
Me gusta la soleada Barcelona, me gusta hablar de fútbol con los taxistas. Carmen es viuda, etc. Periódico tras periódico, programas de televisión, conferencias, la forma en que las españolas cruzan las piernas hasta parecer llamas de vela y yo entrecerrando mis pupilas de lagartija para enfocarlas mejor. Me faltó tiempo para estar con el pintor Albert Cruells, que sonríe con todo el cuerpo. Y detrás de las casas, oculto, el mar. Tan oculto como el hotel, demasiado visible, de cuya dirección nunca me doy cuenta.. La fotógrafa colombiana, con botas de soldado de un ejército perdido, que no deja de hacerme retratos. Me enseña fotografías de escritores, algo que nunca me ha interesado
(no me importa cómo son o eran sus caras)
y finjo mirar para no parecer descortés. Y un cuaderno entero con imágenes de un novelista que no me gusta desde que era pequeño, en sus diversas metamorfosis camino del insecto perfecto, con gafas de sol y el cuello levantado, severo, profundo. Lo conocí en París hace unos meses, grave y trágico. Creo que nunca lo vi  sonreír, siempre tomando pastillas, muy extraño. El zoo de los literatos y similares siempre me deja con la boca abierta.
Con el tiempo he llegado a conocerlos a todos, y hay muy pocos que me interesen. Hoy, 12 de febrero, faltan trece días para la publicación del libro. ¿Qué haré hasta entonces? Leer, con el deseo de empezar a corregir lo que leo enseguida. Ahora que estoy de nuevo en casa, puedo volver a encerrarme, no ver a nadie, no opinar, no dar respuestas, no decir
gracias
no fingir interés mientras pienso en otra cosa. Me apetece estar a solas conmigo mismo, en mi silla, en paz. De vez en cuando un muerto
¿se acuerda de mí?
y no sé si me acuerdo de ti. Recuerdo que hoy me he despertado en mitad de la noche pensando que era feliz, y me he vuelto a dormir agarrado a un juguete que no estaba allí. Debo de ser feliz porque fuera hace sol. Cuando sale el sol, no necesito nada más. Hasta los muebles parecen felices. ¿Cómo termina esta crónica? Es sencillo: después se deja todo en blanco.
Traducción, R.Ferreira 


Let's be careful out there 


No hay comentarios:

Publicar un comentario