martes, 30 de enero de 2024

Mi nombre en otro nombre





O poema é um objecto carregado de poderes magníficos, terríficos: posto no sítio certo, no instante certo, segundo a regra certa, promove uma desordem e uma ordem que situam o mundo num ponto extremo: o mundo acaba e começa.

— Herberto Helder, numa entrevista ao Jornal Público (4/12/1990)


 La vida del poeta Herberto Helder (1930-2005), considerado uno de los autores portugueses más importantesdel siglo XX, que intentó decir "cómo todo es otra cosa" sigue en gran medida envuelta en el misterio. Polémico, imposible de categorizar y, sobre todo, muy respetado por sus coetáneos y lectores, el autor se mantuvo a una gran distancia de la atención mediática a lo largo de su vida, llegando incluso a rechazar el Premio Pessoa en 1994. De este modo, conocer a Herberto Helder es única y esencialmente posible mediante la lectura de su obra; en ella,  llegamos a conocer no al hombre sino al poeta, esa criatura "más mortal que los demás animales"

 BICICLETA 

Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais 
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.

O sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e desaparece uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.

De pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do poeta
mal ousa agora pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.
O bico do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano, a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata como os outros animais.

Se a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa. Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
o poeta dá à pata como os outros animais.

Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata nos pedais para um verão interior.

Herberto Helder, in “Poesia Toda” assírio & alvim, 1981

BICICLETA 
Sale la bicicleta del poeta
al símbolo, para un día de verano
ejemplar. Con los pulmones a cuestas y el pico
en el aire, el legañoso poeta da zarpazos
sobre los pedales. Una gran memoria, los signos
de días sobrenaturales y la
historia secreta de la bicicleta. El símbolo es sencillo.
Los pistones del corazón al ritmo de los pedales 
ahí va el poeta hacia sus
señales. Da zarpazos
como otros animales.

El sol es blanco, las flores legítimas, el amor
confuso. La vida es siempre oscura.
Entre las rimas y el sudor, una rosa aparece y desaparece. En un día de verano
violenta, la fantasía olvida. Entre
el nacimiento y la muerte, el movimiento de la rosa florece
sabiamente. Y la bicicleta supera
el milagro. El poeta aprieta la rueda y derrapa
en el momento de la gracia.

Con sus pulmones a cuestas, la vida es para siempre
oscura. El pie del poeta
apenas se atreve a pedalear ahora. En medio del aire
la flor perdida se distrae. La vida es corta.
Puta de una vida subdesarrollada.
El pico del poeta recorre los puntos cardinales.
El sol es blanco, el campo llano, la muerte
segura. No hay sombra de signos.
Y el poeta da zarpazos como los demás animales.

Si la noche cae ahora sobre la rosa pasada
y el día de verano se retira
a su nada, y la única dirección es la propia noche
¿se encuentra? Con los pulmones a cuestas, la vida
es oscura. La muerte es transfiguración,
por la imagen de una rosa. Y el poeta de piernas largas
con una rosa interior, pisa los pedales
de la confusión del amor.
A través de la noche secreta de caminos iguales
el poeta pisa como los demás animales.

Si el sur está al revés y el norte de lado
es la muerte para siempre.
Aferrado al manillar con los pulmones a cuestas
como un neumático pinchado
el poeta pedalea con el corazón transfigurado.
En la memoria más antigua, la dirección de la muerte
es la misma que la del amor. Y el poeta,
en última instancia más mortal que los demás animales,
pisa los pedales de un verano interior

Traducción, R.Ferreira 

Minha Cabeça estremece.

Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.

Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.

Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.
– Era uma casa – como direi? – absoluta.
Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.

Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
– Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.

As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.

– Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente
completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.

Era uma casabsoluta – como
direi? – um
sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.

– Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.

Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
– Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.

Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.

Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.

Me tiembla la cabeza
Hablo, pienso.
Sueño con los tremendos huesos de mis pies.
Siempre es otra cosa, una
cosa cubierta de nombres.
Y la muerte pasa de boca en boca
con la saliva ligera
con el terror que siempre hay
en las profundidades informes de una vida.
Sé que los campos imaginan sus
rosas.
La gente imagina sus propios campos
de rosas. Y a veces me paro frente a los campos
como si me estuviera muriendo
otras veces, como si ahora sólo
puedo despertar.
A veces todo se ilumina.
A veces canta y sangra.
Yo digo que nadie se perdona a tiempo.
Que la locura tiene espinas como una garganta.
Yo digo: el otoño da vueltas en la distancia,
¿y qué es el otoño?
Los párpados laten contra el gran día masculino
del pensamiento.
- Era una casa -¿cómo decirlo? - absoluta.
Juego, lo juro.
Era la casa de mi infancia.
Sé que era una casa de locos.
Metía las manos en el agua: me dormía,
rememoraba.
Los espejos se resquebrajaban contra nuestra juventud.

Ahora puedo sentir las brutales
líricas ruedas de la vida.
En el olvido, o en el
de las cosas,
una rosa como una cabeza alta,
un pez como un
movimiento.
Una rosa-pez dentro de mi
idea.
Hay vasos, tenedores ebrios dentro de mí.
 Porque el amor de las cosas en su
tiempo futuro
es terriblemente profundo, es suave,
devastador.

Las sillas ardieron en sus lugares.
Mis hermanas vivían en la cima del movimiento
como seres asombrados.
A veces se reían a carcajadas. Se tejían
en su aterradora oscuridad.
La menstruación soñaba podrida dentro de ellas,
en la boca de la noche.
Cantaba en voz muy baja.
Parecía fluir.
Girando alrededor de las mesas, las penumbras de hollín.
Llovía en las noches terrenales.

-Era húmeda, destilada, inspirada.
Había rigor. Ejemplo extremo.
Había esencia de taller.
Un asunto sensacional en el secreto de los árboles frutales,
con sus manzanas centrípetas
y las uvas colgando sobre la madurez.
Había la cálida magnolia de un gato.
Un gato que entraba por las manos, o una magnolia
que salía de la mano hacia el rostro
de la madre sombríamente pura.
Ah, mamá loca toda, sentada
completa.
Sus manos tocaban sobre el ardor
la carne como un bocado extático.

Era un hogar absoluto - ¿cómo
¿debo decir? - una sensación en la que algunas personas morirían
Demencia de sonreír a carcajadas.
Con moras, hojas verdes, espinas
con un poco de oscuridad en cada esquina.
Un nombre en el espíritu como una rosa de pescado.

 Prefiero volverme loco en los pasillos arqueados
ahora en palabras.
Preferiría cantar en los balcones interiores.
Porque había escaleras y mujeres que paraban
minadas de inteligencia.
El cuerpo sin rosetas, el lenguaje
para amar y rumiar.
La leche que canta.

Ahora me sumerjo y me elevo como un vaso.
Traigo a colación esta imagen de agua interior.
La pluma del poema disuelta en el
sentido del poema.
O el poema elevándose a través de la pluma,
atravesando su propio impulso,
poema que regresa.
Todo se eleva como un clavel,
un cuchillo alzado.
Todo muere su nombre en otro nombre.

Ah, pensar con delicadeza,
imaginar con ferocidad.
Porque soy una vida con furiosa
melancolía,
con furiosa concepción. Con
furiosa ironía.
Soy una devastación inteligente.
Con fabulosas caléndulas.
Doradas en lo alto.
El amanecer o la noche triste tocados
con trompeta. Soy
algo audible, sensible.
Un movimiento.
Una silla que se congela en la palangana,
hecha para sentarse.
O flores bebiendo de un jarrón.
El silencio estructural de las flores.
Y la mesa debajo.
Soñar.
Traducción,R.Ferreira .


Aos amigos.


Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
— Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

A los amigos.

Amo lentamente a los amigos que están tristes con cinco dedos de cada lado.
Amigos que se vuelven locos y se sientan allí, cerrando los ojos,
con los libros detrás de ellos ardiendo por toda la eternidad.
No los llamo y se dan la vuelta
hacia el fuego.
- Tenemos un talento doloroso y oscuro.
Hemos construido un lugar de silencio. De pasión
Traducción, R.Ferreira 

O poema
Un poema cresce inseguramente,na confusão da carnesobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,talvez como sangue ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência ou os bagos de uva de onde nascem as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis do nosso amor,

os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
 a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

El poema

Un poema crece inseguro
en la confusión de la carne
se eleva aún sin palabras, sólo ferocidad y sabor,
tal vez como la sangre
o una sombra de sangre a través de los canales del ser.

Fuera está el mundo. Fuera, la espléndida violencia
o las bayas de uva que dan a luz a
las diminutas raíces del sol.
Fuera, los cuerpos genuinos e inalterables
de nuestro amor,
los ríos, la gran paz exterior de las cosas,
las hojas que duermen en silencio,
las semillas al borde del viento,
- la hora teatral de la posesión.
Y el poema crece, tomándolo todo en su regazo.
Y ningún poder puede destruir el poema.
Insostenible, único,
invade las órbitas, la cara amorfa de los muros,
la miseria de los minutos,
la fuerza sostenida de las cosas,
la armonía redonda y libre del mundo.
- Abajo, el instrumento perplejo ignora
la espina dorsal del misterio.
Y el poema se hace contra el tiempo y la carne.
Traducción, R.Ferreira 


Let's be careful out there 

No hay comentarios:

Publicar un comentario